Edição 01 – Preconceito – Agosto 2023

Edição 01 – Preconceito – Agosto 2023

Preconceitos | Crônica: O ano que vem | Conto: Oxalá | Resenha de “O Crime do Cais do Valongo” | Marte Um – O Filme | As Religiões Afro-Brasileiras | Participação dos Escritores | Livros Indicados | Livros Publicados Escritores Espiritualizados | Literato Dente-de-leão Nº 01 em PDF

Preconceitos

Decidimos abordar uma epidemia global, sem vacinas ou tratamento, mas que ceifa muitas vidas por ano no nosso planeta. Sociedades, religiões, cultos, condições físicas e tantos outros motivos levam o pensamento coletivo a incluir o prefixo “pré” nessa palavra tão útil ao nosso cotidiano que é o “conceito”.

Oscar Wilde dizia: “É muito superficial aquele que diz não julgar pelas aparências”. Ele estava certo. A aparência é a primeira informação que se tem sobre qualquer coisa. O problema é que não devemos permanecer no âmbito das aparências. A superficialidade de argumentos e de análise de fatos gera o “pré” antes do “conceito”. Alguns são tão arraigados, antigos mesmos, antes de Cristo! Somente a conscientização individual, unindo-se em torno de um coletivo, será capaz de alavancar a mudança dos infortúnios gerados pelo preconceito.

Queremos viver até quando chegarmos a uma sociedade solidária, humanitária, que aceite as diversidades. É uma utopia, sabemos, mas queremos. Afinal, somos todos iguais, digamos, não… melhor: não somos todos iguais – somos únicos. Cada um é insubstituível como ser humano em sua totalidade. Independente de religião, a grande maioria da humanidade acredita que viemos de uma mesma fonte criadora – somos poeira das estrelas. Átomos que só conseguiram organizar-se em matéria porque se fundiram, construíram pontes entre si, porque só a união edifica vida e amor.

Daiane Carrasco & Sérgio Fernandes

Crônica: O ano que vem – por Daiane Carrasco (Racismo Estrutural)

Despachei a bagagem. Esperava o embarque. A fome bateu. Onde comer? As lanchonetes badaladas do aeroporto estão lotadas. Não… Só tenho uns 40 minutos. Detesto comer correndo. Observo um estabelecimento lá no fundo do segundo andar. Vazio. Há um inconveniente. Voz e violão. Sertanejo universitário, que detesto tanto quanto (ou até mais) do que comer correndo.

Entrei. Fiz o pedido. Paguei no caixa. Sentei o mais longe possível do músico. Tentava abstrair, ignorar as letras sofríveis e os vocais agudos que me chegavam aos ouvidos. Não adiantou. Ele parou de tocar. Dirigiu o olhar a mim. Fingi demência.

— Ei, moça! Pode pedir uma música! – Seu entusiasmo era comovente. Tirando o fato de eu não saber nem o que pedir nesta seara, o silêncio era um alívio. Pensei em dizer: ‘PelamordeDeus, não toca mais nada até eu ir embora!’, mas soaria ofensivo.

— Não… obrigada, não precisa. – Apenas neguei o privilégio.

— Sério, moça, pode pedir! – Persistia, talvez como justificativa para os seus préstimos, pois, até o momento, tocava para ninguém.

— Desculpa, mas a música que eu gostaria de ouvir tu não vais saber tocar.

— Por que tu não pedes, eu posso conhecer.

— Não… acho que não.

— Eu insisto.

Incomodava-me a insistência. Custava simplesmente me ignorar e me deixar em paz? Queria levantar e sair, mas precisava comer antes do embarque. Resolvi ceder e, finalmente, disse:

— Next year, do Foo Fighters.

— Ah! Eu sei tocar essa! – Oferecia-me o sorriso da vitória dos grandes campeões.

Começou a tocar e a cantar lindamente. Conforme ele repetia o refrão “I’ll be coming home next year”, traduzido literalmente para: “Estou voltando para casa no ano que vem”, minha empáfia doía. O músico não era preto retinto, era mulato. Logo eu, tão orgulhosa do meu pedestal de defensora dos “fracos e oprimidos”, caí na arapuca do racismo estrutural. Se ele fosse um viking? Eu diria que seria incapaz de tocar a música que gosto? Minha leitura branca do contexto fez-me supor que um rapaz “de cor” poderia até tocar sertanejo, pisadinha, pagode. Mas rock? Ah não… Cantar em inglês então, nem pensar! A novelinha das ideias já tinha capítulos bem escritos, definidos, com personagens estereotipados.

Nunca uma refeição me desceu tão amarga. Envergonhava-me. Ele, ali, tocando e cantando com o coração, feliz por ver que eu não estava mais sozinha. Um casal também resolveu se sentar e ouvi-lo. Eu, absorta com a minha face preconceituosa, que, insistentemente, renego, mas que existe nos submundos de mim, aliás, em certa medida, de todos nós. 

O primeiro passo para a mudança é enxergar o que precisa ser mudado, por mais duro que seja. É difícil olhar para si mesmo e admitir falhas, partes feias. Vivemos distorções cotidianas sob o status de normalidade. Por que aceitamos passivamente a morte da juventude preta nas favelas enquanto homicídios de brancos causam comoção nacional? Por que não contestamos o fato de a maioria da população carcerária ser de pretos e pardos, ao passo que crimes de colarinho branco sequer requerem investigação? Por que associamos o tráfico a exclusivamente facções de morros, se nas baladas da zona sul as drogas sintéticas rolam soltas, impunes, sem blitz policiais?

A resposta é a mesma: porque trezentos anos de escravidão cobram o seu preço. Embora sem ter escravizado ninguém, eu mesma, em pessoa, usufruo de privilégios históricos. É inegável. Jamais revistaram minha bolsa e me acusaram de furto. Nunca alisei o cabelo para ser aceita.

Que abolição foi essa? Abrimos a cancela das fazendas e os abandonamos, os despejamos, sem direito à terra em que trabalharam. Não nos retratamos. Não houve atenção especial em praticamente toda a história da República àqueles que exploramos e depauperamos, sem direito a nada. O caminho será longo – por mais que afirmemos conscientemente que somos um país diverso, inclusivo, na prática, julgamos, excluímos e relegamos as minorias às posições subalternas. Até nosso maior expoente literário, Machado de Assis, passou por um processo de “embranquecimento” (sim, o Bruxo do Cosme Velho era um homem preto).

Por hora, podemos trabalhar nossa consciência individual, na esperança de um coletivo consciente. Se pudesse retornar no tempo, diria ao músico do aeroporto: ‘Claro, posso pedir. O que gostarias de tocar?’, mas não posso. O tempo não anda para trás… Toda a vez que ouço “Next year”, lembro dele, de que preciso ser melhor porque o futuro merece. Como diria a letra da canção: “Estou no céu esta noite. Então, eu posso ficar ao seu lado. Vejo o mundo rodar. Eu estou voltando para casa no ano que vem.” Desejo que voltemos todos…

Daiane Carrasco

Conto: Oxalá – Por Marcelo Elo Almeida (Discriminação Religiosa)

— Vem, vem, vem. Anda, Mizael. É por aqui. Eu inspecionei antes, de dia. Segue meus passos – num sussurro, Paulo orienta no escuro. Apenas uma luz de lanterna, amarela e fraca, a iluminar o caminho. Com um pé-de-cabra consegue, com muita facilidade, arrombar a frágil porta de madeira que guarda aquele terreiro de periferia.

— Que maravilha! Olha isso, Mizael! Estão todos os demônios juntos aqui. – Paulo joga o foco da lanterna em cada imagem, dispostas nos cantos do templo de umbanda. – É hoje que a gente arrebenta com eles todos.

— Em nome de Jesus! – Mizael se exalta e é logo reprimido por Paulo, exasperado.

— Xiiiiiiiii. Cadê o porrete, Mizael? – em sussurro.

— Toma esse aqui, pastor. Eu ungi ele no último culto.

— Boa, Mizael. Eu ilumino, e você mete o porrete. Primeiro esse aí do cavalo. Vai. Isso! De novo! Deixa tudo em caquinhos! Que foi isso, Mizael? Tá endemoniado? Por que você relinchou?

— Eu, pastor? Eu não. Não tô nem ofegando…

— Vai. Vamos continuar o serviço. Esse próximo aí, com as flechas no corpo.

— Oxóssi, presente.

— O que é que você disse?

— Eu? Nada, pastor. Eu tô quieto. Pastor, eu tô ficando com medo.

— Medo, Mizael? Cadê sua fé, irmão? Vamos, coragem, homem. Senta o porrete. Isso, coragem. Ótimo. Esse capeta não atormenta mais. Agora esse outro, com um raio na mão. Que foi isso, Mizael? – Paulo é pego de surpresa por um grande estrondo que ressoa por todo ambiente.

— Parece um trovão, pastor Paulo.

— Mas a noite está cheia de estrelas? Como pode?

— Pastor, a gente já tá acabando?

— Calma, Mizael. Só mais dois.

— Pastor, tá chovendo aqui.

— Oxumaré, presente. —O que você disse? Chovendo! Como? Anda, Mizael! Vamos acabar com isso. Começou a chover, e esse imóvel de pobre tá cheio de goteira. Rápido. Agora essa estátua aí com um arco-íris na cabeça.

— Pastor, tem uma cobra aqui, pastor. Eu não vou quebrar essa não. A cobra tá na frente.

— Tá bom, deixa pra lá. Vamos pra última. Agora aquela lá, com um estandarte na mão, escrito Oxalá. Em nome de Jesus! Vai.

— Me chamastes, Paulo?

— O que você disse, Mizael?

— Eu não falei nada, pastor.

— Paulo, Paulo, por que me persegues?

— Tá brincando comigo, Mizael?

— Eu, pastor?

A voz concomitante de Mizael com aquela frase que vinha não se sabia de onde deixa Paulo atônito. Voltando-se novamente para a imagem de Oxalá, Paulo quase cega com tanto brilho que emana dela, mas não a ponto de não poder vislumbrar a escultura à sua frente: mãos estendidas, abertas, manto branco e um semblante negro. O rosto o confunde em um primeiro momento, mas o coração, vermelho pulsante, e a intensa luz, os quais ocupam o centro da visão, não lhe deixam dúvidas: Jesus o encara severamente.

— Quem é você? É enviado do Satanás?

— Como quem sou eu, Paulo? Não me reconheceis? Logo vós, que pregais sempre em meu nome? Falais sempre da minha vinda, que ela está próxima. Então, aqui estou.

— J-J-Jesus, meu Senhor? Não é possível.

— Por que não? Não vos considereis digno de mim? Eu vos pergunto novamente: Por que me persegues, Paulo?

— Eu vim aqui para destruir Satanás, meu Senhor.

— Destruir Satanás? Aqui? Neste terreiro do bem? Paulo, Paulo. Eu me apresento de muitas formas. Essa imagem que você iria destruir é Oxalá. Fui transformado em orixá e aceito em outra religião, de outra matriz. Por que não me aceitais também?

— Senhor Jesus, perdão…

— Chame-me de Oxalá!

— Hein?

— Chame-me de Oxalá!!!! –a voz-trovão ecoou.

— Sim, Oxalá, meu senhor. Eu vos peço perdão, Oxalá Senhor Jesus.

— Assim tá bom. Mas…

— Mas o quê, Senhor Oxalá?

— O que vós faríeis com alguém que me insultasse do jeito que vós me insultastes?

— Eu o castigaria, meu Senhor Oxalá Jesus Cristo.

— Como?

— Eu o faria sentir o meu poder, quer dizer, o seu poder. Eu faria com que ele visse o seu reino, a sua glória em seu próprio corpo, meu Senhor.

— Bem pensado, Paulo. Então, vamos lá.

Paulo, até então extremamente excitado, confuso e maravilhado, começa a acalmar-se lentamente, baixando o peito aos poucos, retomando a respiração normal. Passa para um estado de sonolência, fecha os olhos, braços estendidos ao longo do corpo, a cabeça recostada no peito, mas as pernas firmes. Parece cochilar, mas se encontra em relaxamento quase total, em um estado alfa. Seus braços começam a movimentar-se lentamente, alternando movimentos para frente e para trás. Seus pés começam a se mexer, primeiro hesitantes; depois, traçados giratórios vão se acelerando, um pé apoiando o outro para que o equilíbrio não se perca, os braços continuam a girar, mas, agora, vão até a cabeça e retornam à cintura, aos joelhos e voltam à cabeça. O movimento acelera, cada vez mais. Perde a noção de tempo, de espaço. Durante horas, Paulo encontra-se em transe, sozinho, abandonado por Mizael.

No dia seguinte, Paulo, ainda grogue de sono, ou do transe, aos poucos passa a se lembrar de como foi parar naquele terreiro, vestido de branco, cercado de imagens de orixás que o encaram, Oxóssi, São Jorge, Oxumaré, Oxalá, todos parecendo lhe sorrir.

Marcelo Elo Almeida

Resenha de “O Crime do Cais do Valongo” por Marcelo Elo Almeida

O crime do Cais do Valongo, de Eliana Alves Cruz, é uma viagem ao início do século XIX no Rio de Janeiro, época do nascimento do Império no Brasil. Histórias sobre a nobreza? Não.  Os heróis da futura independência?  Não. Talvez sobre as coxias do poder, alguma revelação palaciana? Também não. A não ser pelo contexto, pouca coisa remete aos grandes eventos. Nesse livro, o que importa é a história daqueles que ficaram à margem da história oficial, mas que, ao mesmo tempo, possibilitaram que ela existisse, pois eram a força de trabalho. Resgate daqueles que por toda vida pegaram no pesado, foram escravizados e sustentaram a base sobre a qual erigiu-se nosso modelo de Brasil: escravista, patrimonialista, parasitário do poder e racista, profundamente racista.

O mestiço Nuno, um típico malandro do século XIX, beberrão e ateu, é o personagem que nos apresenta a história do crime do Cais do Valongo que casualmente ocorre perto de sua casa.  Trata-se do assassinato de Bernardo, um próspero e inescrupuloso comerciante com pretensões ao círculo mais restrito da sociedade da época.

Nuno é o narrador, mas a voz principal é Muana, escravizada de origem moçambicana e propriedade do comerciante morto.  Letrada, é ela quem permite a Nuno desvelar os meandros da história que culmina no assassinato de seu dono. Mas não só. Descreve também a sua própria história desde Namuli, em Moçambique, o embarque em Quelimane, a travessia do Atlântico e os muitos mortos pelo caminho, tanto de estranhos como de familiares seus.

Romance histórico é sempre uma árdua tarefa. Requer muita pesquisa, dezenas de milhares de páginas lidas para se produzir apenas algumas dezenas delas. Mas Eliana Alves Cruz o faz com maestria, não se atendo apenas à fidelidade histórica. Como Marianno, escravizado que tece a mortalha de seu dono, Eliana constrói de modo complexo a trama, alinhavando fatos e reflexões, redimensionando o que à primeira vista parece ser apenas um romance histórico-policial.

Assim, o livro vai se desvendando ao longo das páginas e conquistando nossa admiração, enredando-nos à trama, via mortalha de Marianno. Esse personagem é um caso à parte na trama. Digno, conhece a medida das coisas, o valor do acolhimento de quem sofre nas mãos do cruel Bernardo e o tamanho da mortalha que deve tecer para enterrar os maus instintos que são aflorados quando a propriedade sobre seres humanos se estabelece. Não é vingança: Marianno é sabedor da Lei de Causa e Efeito e apenas nos antecipa o destino que Bernardo traçou para si mesmo. É sabedoria.

Acabamos por ouvir múltiplas vozes. O pássaro Namuli Apalis, Mr. Toole, Umpulla, Nuno, Faruk, algumas do mundo dos vivos, outras do além. Pois essas últimas têm papel significativo tanto para a narrativa quanto para Muana, a heroína, em mais um resgate de algo tão caro às tradições africanas: a ancestralidade.

Um crime no Cais do Valongo? Não, o livro se chama O crime do Cais do Valongo…

Marcelo Elo Almeida

O crime do Cais do Valongo
Autora: Eliana Alves Cruz

Um corpo amanhece em um beco, envolto em uma manta e com pequenas partes cortadas. Essa obra é um romance histórico-policial que começa em Moçambique e vem parar no Rio de Janeiro, mais exatamente no Cais do Valongo. O local foi porta de entrada de 500 mil a um milhão de escravizados de 1811 a 1831 e foi alçado a patrimônio da humanidade pela Unesco em 2017. A história acontece no início do século 19 Saiba mais…

Marte Um – O Filme por Jana Taliani

Marte Um é um filme de Gabriel Martins. Traz os conflitos e sonhos de uma família negra – a família Martins, de classe média baixa, e que retrata brilhantemente o cotidiano da grande maioria das famílias brasileiras. Tem como vertente principal o sonho de Deivid, um adolescente que sonha participar da missão que irá colonizar Marte. Ele quer ser astrofísico, mas este anseio entra em conflito direto com o sonho do pai, que quer ver o filho ser jogador de futebol, pois acha que somente assim poderá ter uma vida melhor, mais abastada.

No núcleo feminino, temos a filha Eunice, que está cursando direito e se apaixona por uma amiga, e a mãe, matriarca e figura de união entre os personagens, que além de administrar seu bem mais precioso – a família, sofre calada os efeitos de uma síndrome do pânico após uma violência traumática causada por uma “pegadinha” de tv.

Este filme trata de forma poética o preconceito vivido por todos os personagens de forma distinta: o menino que não sabe como viver seus próprios sonhos sem que este destrua as expectativas do pai; o pai que trava duas batalhas – dar o que há de melhor aos filhos, dentro das limitações financeiras como um zelador, e a maior de todas: dar o exemplo de superação e força na luta contra o alcoolismo através da importante participação do AA em sua vida.

A luta pelos próprios sonhos e a garra para vencer paradigmas tão enraizados em nossa cultura e cotidiano fazem com que percamos a noção do tempo ao ver Marte Um. Uma família que sonha e sofre junta, mas que sabe que o bem mais valioso que possui é o amor que une a todos.

Embora não tenha violência explícita, o filme trata de várias formas de violência velada, como o bullying da pegadinha que causou sérios transtornos à mãe, o auto martírio e a luta contra vício vivido pelo pai, o rompimento de padrões sociais com a escolha profissional e de vida do personagem principal – o Deivinho em ser um cientista astrônomo, e sua irmã Eunice em não só frequentar uma faculdade de direito e se formar, mas viver uma quebra de padrões sexuais.

É um filme que nos prende e emociona do começo ao fim, nos faz voltar à infância e valores puros, mas sem deixar de lutar para ser quem somos, pelo simples medo de desapontar quem mais amamos, ou mesmo, pelo julgamento de uma sociedade que ainda tem muito a caminhar e aprender que nada e nunca é pelo outro, e sim, por si mesmo.

Só posso lhes dizer a única coisa…Marte Um vale cada segundo!

Jana Taliani

Marte Um – Filme de Gabriel Martins
Elenco: Cícero Lucas, Carlos Francisco, Camilla Damião

A família Martins vive tranquilamente nas margens de uma grande cidade brasileira após a decepcionante posse de um presidente extremista de extrema-direita. Sendo uma família negra de classe média baixa, eles sentem a tensão de sua nova realidade. Tércia, a mãe, reinterpreta seu mundo depois que um encontro inesperado a deixa se perguntando se ela é amaldiçoada. Seu marido, Wellington, Saiba mais…

As Religiões Afro-Brasileiras – por Sérgio Fernandes (Discriminação Religiosa)

Houve um tempo em que os negros foram escravizados. Talvez você tenha estudado na escola os poemas de Castro Alves a respeito do tema, mas posso assegurar que era pior: seres humanos tratados como um tipo qualquer de mercadoria, transportados nos porões dos navios negreiros, em circunstâncias deploráveis e muitas vezes em viagens que perduravam meses até o seu destino.

Muitos morriam no trajeto. Ainda alguns, quando sobreviviam à viagem, morriam de uma tristeza atroz, à qual deram o nome de “banzo”. Os que resistiram tinham trazido uma bagagem em seu ser, uma saudade íntima, uma lembrança, uma vontade de estar com os seus, no seu canto, na sua casa, na sua fé.

Assim foram passando a cultura de suas religiões no calar da noite, em terreiros com grades, chamados “senzalas”, de forma clandestina, por medo de serem descobertos pelos seus senhores de engenho. Aprenderam um pouco da religião de seus senhorios e fizeram interligações entre os santos dessa cultura com os deles, colocando o altar visível como seus amos apreciavam ver, enterrando seus santos logo abaixo. Para rezar deitavam ao chão e com a cabeça encostada na terra para poder consagrar os da sua origem.

Uma parte muito triste de nossa história, sem dúvida, com consequências que chegam até o presente, e que gerou um intercâmbio entre as culturas lusitana, indígena (nossos povos originários) e africana. Quanto da cultura negra está presente na vida do brasileiro!

Quem não gosta de uma boa feijoada? Muitos restaurantes servem duas vezes por semana! Se você não gosta muito desse prato, podemos variar o cardápio: acarajé, vatapá, pamonha, cuscuz, dentre muitos outros… E na sua cozinha por acaso tem algum tempero com esses nomes: cravo, canela, louro, alecrim? Já que estamos na cozinha, você prefere chá de erva-doce ou um cafezinho? E a sobremesa pode ser cocada? Como muitas escravas precisavam cozinhar com o que sobrava da “casa grande”, adaptavam as receitas fazendo caldos e misturavam farinha, e assim esses pratos eram inicialmente criados para oferendas nos terreiros para os seus rituais.

Com os rituais veio também uma coisa que o brasileiro pode até tentar falar que não gosta, mas já é marca registrada do Brasil em todo o mundo: a cadência da percussão! Os batuques vêm de um gênero musical chamado “lundu” que deu origem ao samba, maxixe, maracatu e mais alguns.

É indissociável a expressão religiosa e cultural dos negros em nosso cotidiano. Utilizar o termo “macumbeiro” de modo pejorativo é inaceitável: mais – é crime. Recentemente, um grupo de WhatsApp foi indiciado por divulgar “São um bando de macumbeiros!” como xingamento.

Só de curiosidade: o que é um “macumbeiro” (que nem deveria ser uma conotação ruim)? Macumba é um instrumento de percussão e o macumbeiro é o tocador de macumba! Hoje é ligado a oferendas de religiões de matrizes africanas.

Seja qual for a casa, culto, religião, não se deveria entrar em um lugar sem ser convidado e muito menos sair quebrando tudo que vê pela frente, como vemos em reportagens nos noticiários, ou como lemos no conto do Marcelo anteriormente. Afinal, qual é o significado de “sagrado”?

Depende de onde estou, em qual país, em qual cultura. Serpentes, vacas, ratos, legumes, vegetais, objetos – é impossível conhecermos todas as culturas, religiões menos ainda! Então, o sagrado de um certo alguém deveria ser respeitado por quem quer que seja, acreditando ou não. Uau! Respirando e pensando em tudo isso!

Nossas mentes funcionam pelo “efeito manada”: incluímos o que é de senso comum em nosso cotidiano, como o samba e a feijoada, e apedrejamos os cultos dos terreiros. Ah… mas eles sacrificam animais! – Poderiam afirmar os paladinos da moral. Muitas frentes dentro dessas religiões afro estão lutando para abolir estas práticas, pois adaptações são necessárias para acompanhar a evolução do mundo.

Hora de pensar, hora de respeitar o outro. Hora de saber que uma cultura, uma religião, uma crença não está errada e nem merece punição de alguém que acha que as suas convicções é que são as corretas. Se a sua religião ignora a tolerância, a harmonia e a boa convivência social entre todos, melhor rever suas práticas.

Intolerância religiosa também é preconceito. Preconceito esse transferido a um povo que sofreu um apagamento histórico: origens, idioma, família. Já imaginou não saber o seu verdadeiro sobrenome? Saíram da empreitada escravista com o quê? Somente um papel escrito “alforria”: sem terras, sem recursos, desgastados e com poucos anos de vida pela frente.

Poderíamos nos humanizar e não continuarmos sendo senhores de engenho. Essas religiões sobreviveram e sustentaram na fé toda raça negra. Merecem nosso respeito, reconhecimento, gratidão e muito axé de todo Brasil!

Sérgio Fernandes

Nesta Edição – Participação dos Escritores

Daiane CarrascoDaiane Carrasco
IG: @daiane_carrasco
Jana TalianiJana Taliani
IG: @jana_taliani
Marcelo Elo Almeira
IG: @marcelo.elealmeida
Sérgio Fernandes
IG: @sehfernandes

Livros Indicados

Os livros que indicamos de alguma maneira nos tocaram, ou tocaram o mundo literário. Muitos deles foram e são ícones do estudo sobre o tema dessa edição do Literato Dente-de-leão.

Pequeno Manual Antirracista

Pequeno manual antirracista
Autor:
Djamila Ribeiro

Dez lições breves para entender as origens do racismo e como combatê-lo. Neste pequeno manual, a autora filósofa e ativista trata de temas como atualidade do racismo, negritude, branquitude, violência racial, cultura, desejos e afetos. Em dez capítulos curtos e contundentes, apresenta caminhos de reflexão para aqueles que queiram aprofundar sua percepção Saiba mais…

Escravidão – Volume 1: Do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares
Autor: Laurentino Gomes

Do autor dos best-sellers 1808, 1822 e 1889

As raízes do Brasil com o corpo na América e a alma na África. Maior território escravista do hemisfério ocidental, o Brasil recebeu cerca de 5 milhões de cativos africanos, 40% do total de 12,5 milhões embarcados para a América ao longo de três séculos e meio. Saiba mais…

A elite do Brasil

A elite do atraso: Da escravidão a Bolsonaro
Autor: Jessé Souza

Quem é a elite do atraso?

Como pensa e age essa parcela da população que controla grande parte da riqueza do Brasil? Onde está a verdadeira e monumental corrupção, tanto ilegal quanto “legalizada”, que esfola tanto a classe média quanto as classes populares? Saiba mais…

Não deixe de ver também os Livros Publicados do Grupo Escritores Espiritualizados

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Até a próxima edição!

Literato Dente-de-leão Número 01

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