Edição 04 – Amizade – Novembro 2023

Edição 04 – Amizade – Novembro 2023

Adolescência e seus Bandos | Resenha do livro Dom Casmurro | Amizade Virtual | Conto – Amigos com Benefícios | Amizade Colorida | Conto: Amizade na Terceira Idade | E aí, Comeu? – Filme | Livros Indicados | Literato Dente-de-leão Nº 04 em PDF

Amizade por Daiane Carrasco

Há cerca de 3 milhões de anos surgem os primeiros Australopithecus (macacos do sul), encontrados na região do Rift Valley, no continente africano. Embora outros grupos de grandes primatas, a exemplo dos chimpanzés, gorilas e bonobos, tenham estrutura social, foi a capacidade de inter-relação entre indivíduos da mesma espécie que possibilitou a expansão dos seres humanos por todo o globo terrestre. Se inicialmente as relações se baseavam em uma hierarquia estruturada na seleção sexual, no qual um macho possuía um harém com várias fêmeas, estas evoluíram para laços de cooperação para além da consanguinidade, à medida que os cérebros foram se tornando maiores e as conexões neurológicas mais complexas. Assim, na mesma proporção em que ganhávamos uma postura mais ereta, fabricávamos ferramentas e dominávamos o fogo, aprendemos a fazer amigos.

A amizade humana deu o sentido de civilização ao Homo sapiens sapiens (o homem que sabe). A partir daí fizemos a revolução agrícola, domesticando plantas e cultivando o solo, domesticamos animais, constituímos cultura. Ter amigos é muito mais do que uma necessidade psicológica e moral. É, antes de tudo, uma premissa de sobrevivência. Somos seres sociais, que só se percebem no mundo a partir da opinião e percepção dos outros. É a nossa validação como indivíduos. Em última instância, nossos amigos são o reflexo do que somos.

Nesta edição, tentamos englobar alguns aspectos da amizade humana, com uma visão abrangente e contemporânea. Esperamos que o tema tenha sido explorado de modo crítico e proveitoso aos nossos leitores. Uma boa leitura a todos e todas!

Adolescência e seus Bandos por Jane Albuquerque

Uma abordagem sobre a necessidade orgânica que temos de negar nossos progenitores e buscarmos por autoafirmação, através da identificação com uma “tribo”.

A Busca por Identidade e Pertencimento

A adolescência é um período de profunda autodescoberta. Os adolescentes estão em constante busca por saber quem são e onde se encaixam na sociedade. O coletivo oferece a oportunidade de criar conexões significativas com pessoas que compartilham interesses semelhantes, perspectivas e valores. Esses grupos muitas vezes se tornam um porto seguro onde os jovens se sentem à vontade para expressar pensamentos e emoções, experimentar diferentes papéis sociais e expressar sua própria identidade.

Desenvolvimento de Habilidades Sociais

A interação social exerce um papel primordial no desenvolvimento das habilidades interpessoais. Formar grupos possibilita aos adolescentes aprimorar suas competências de comunicação, tomada de decisões, resolução de conflitos, superação de obstáculos e colaboração. As amizades oferecem um ambiente seguro para experimentar e aprender com os erros, um aspecto crucial para o crescimento pessoal – são competências sociais que serão úteis ao longo de suas vidas.

Redução do Isolamento e Solidão

A adolescência pode ser um período desafiador, com mudanças hormonais, pressões acadêmicas e familiares e a busca de identidade. Se conectar a uma turma oferece um suporte emocional valioso. Os amigos muitas vezes se tornam confidentes com quem os adolescentes podem compartilhar seus sentimentos e preocupações. Isso ajuda a reduzir sentimentos de isolamento e solidão.

Desafios e Preocupações

Ainda que o agrupamento tenha benefícios claros, também apresenta desafios. A pressão dos pares pode ser intensa, levando os adolescentes a tomarem decisões arriscadas para se encaixarem no grupo. Isso pode incluir o uso de substâncias orgânicas, comportamento delinquente ou o desrespeito às normas sociais. É fundamental que sejam alertados sobre os riscos e recebam orientação para tomar decisões conscientes.

Além disso, a exclusão de outros colegas ou de grupos que promovam comportamentos negativos, como o bullying, também são propostas legítimas. É responsabilidade dos adultos ajudar a criar um ambiente em que a diversidade seja valorizada.

A recusa dos pais e a busca de autoafirmação entre os amigos

O jovem tem uma necessidade de negar os pais para se tornar um ser independente deles, eis o motivo pelo qual se torna tão desafiador estabelecer uma conexão saudável no âmbito familiar, como cita a psicanalista e especialista em adolescentes pela Unicamp, Roseni Krejci. Ela diz que os adolescentes precisam lidar com uma espécie de luto ao deixarem a infância, encarar as mudanças corporais e ainda afirmarem sua identidade. Nas suas palavras, “o jovem precisa denegrir pra conseguir se separar, porque ninguém se separa daquilo que é bom, então ele precisa olhar para os seus pais e não ver mais heróis, ele precisa olhar e ver pessoas normais e falhas. E quando eu conseguir me separar, aí sim eu vou saber quem eu sou, quais os gostos que eu tenho e fixar minha própria identidade”.

O efeito ‘manada’ – uma vez que tem um bando de adolescentes fazendo a mesma coisa com os pais deles – acarreta o surgimento de tribos: dos skatistas, dos manos, dos roqueiros, fanqueiros, dos sertanejos, dos emos (que pintam o cabelo de preto e põe uma franja colorida). É o trampolim para uma vida adulta.

Aos pais, é necessário paciência. Sim, seu adolescente vai sumir ou vai encher a casa de amigos. Discussões podem virar rotina. Mas calma, tem muitos processos bonitos ocorrendo ali: a descoberta de si mesmo, do outro através da sexualidade, do mundo. Basta ter bons olhos e um abraço providente para quando precisarem.

Resenha do livro Dom Casmurro, de Machado de Assis por Marcelo Elo Almeida

Dom Casmurro é considerado por muitos a melhor obra de Machado. Escrito já na sua maturidade, desenvolve-se em primeira pessoa. D. Casmurro, personagem já no fim de sua existência, conta sua história, não se furtando a ser sincero, absolutamente sincero, quanto à sua opinião sobre si mesmo, sua vida e as pessoas que o cercam. Muito já se escreveu sobre a literatura de e em D. Casmurro. Não tenho pretensões de acrescentar nada, mas tenho minhas questões. Por que a obra fascina tanto? E de onde vem a originalidade da constituição psicológica do personagem?

A escrita em primeira pessoa pode gerar, se bem conduzida pelo escritor, uma maior interação entre leitor e narrador. D. Casmurro não só narra a sua própria história como nos convida reiteradas vezes a participar de sua intimidade. “Leitor amigo”, “Como vês”, “Terás entendido” e tantas outras expressões são dirigidas ao leitor, trazendo-o para dentro da história. Como os convites são amáveis e o escritor é mestre na arte da persuasão, aceitamos de bom grado o chá com biscoito e sentamo-nos para rodadas de leituras.

Por outro lado, o narrador é um escrevivente. Relata suas confissões, as quer para a posteridade. Porém, ele não o faz como um candidato a mártir ou herói da pátria. Ele se expõe de modo sincero, removendo os curativos de suas feridas e expondo-as, colocando-se como homem em sua integridade, revelando amores, dissabores e defeitos de personalidade. Obviamente, promovemos o julgamento póstumo de D. Casmurro e Capitu.  Machado de Assis sabia disso, assim como em Brás Cubas. Mas já que estou por passar pro outro lado mesmo, tanto faz, diria o escrevivente. Sinceridade é o que lhe resta.

Histórias corriqueiras de pessoas corriqueiras, mas que guardam motivações muito humanas, próximas a qualquer leitor. A mãe zelosa, mas ao mesmo tempo impositiva, o pai morto (ausência tão comum hoje em dia, só que dos vivos), o amigo íntimo — são todos personagens que fazem parte do nosso dia-a-dia. A profundidade das aparentes superfícies e que, mostrando-se sincero, obriga-nos a uma auto-análise.

Outra questão que me intriga é a construção psicológica presente em D. Casmurro. Se o menino é o pai do homem, como um rapaz apaixonado e que tem seu amor correspondido transforma-se num velho amargo? Um velho que adota como nome e título de suas memórias o xingamento que um desconhecido lhe profere?

Reiteradas demonstrações de amor de Capitu, com emprego de uma fina inteligência para mantê-lo e concretizá-lo, sem nenhum flagrante de traição. O que faz José Bento desconfiar da fidelidade de sua amada? Apenas uma leve parecença física de seu filho com o amigo Escobar é suficiente para tanta amargura? Os trejeitos do menino supostamente herdados do suposto amante efetivamente morto? Tais elementos são prova apenas da fraqueza de José Bento, de sua insegurança e falta de amor próprio.

D. Casmurro é um ode contra a dissimulação. Ao revelar as falsidades de alguns personagens, o faz sem adjetivações, apenas com fatos. Como no caso de José Dias, o parasita interesseiro e inútil, é daqueles enfeites que, se descartados, ninguém sentirá falta. Mas, no caso de Capitu, ele apresenta apenas frágeis indícios de traição, nenhum fato. “Olhos de cigana oblíqua e dissimulada” é expressão do parasita proferida ainda na adolescência do casal, que Bentinho não consegue esquecer ao longo da vida e justifica suas desconfianças. Porém, “olhos de ressaca” é expressão que “trazia não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca… mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me.” Ou seja, olhos dominantes, dominância dos apaixonados. Nada a ver com traição.

Seria Capitu também uma dissimulada? Não há provas, apenas frágeis indícios. Se não há provas, não pode haver condenação, nos diz há muito tempo o tal do Código Penal. Se for uma peça acusatória, como alguns querem, o livro deve ser lido como conjunto probante. Capitu faz emprego da inteligência e da sagacidade para atingir seus objetivos amorosos, isso está no enredo. Entre o Bentinho e o D. Casmurro erigiu-se um sujeito fraco, duvidoso de si mesmo, apesar de amado. Azar de Capitu.

Por fim, uma nova explicação para o fascínio que o livro exerce sobre mim e tantos outros. Machado não responde taxativamente nem que sim, nem que não sobre a traição. Deixa para nós a resposta. Qual a verdade? É a convicção de D. Casmurro? Concordamos com ele ou não? A resposta diz mais sobre nós mesmos do que sobre a história propriamente. Acaba por nos propor uma questão objetivamente insolúvel. A verdade não importa, apenas a nossa interpretação dela.

Mas que Capitu não traiu, não traiu.

Em Dom Casmurro, o narrador Bento Santiago retoma a infância que passou na Rua de Matacavalos e conta a história do amor e das desventuras que viveu com Capitu, uma das personagens mais enigmáticas e intrigantes da literatura brasileira. Nas páginas deste romance, encontra-se a versão de um homem perturbado pelo ciúme, que revela aos poucos sua psicologia complexa e enreda o leitor em sua narrativa ambígua acerca do acontecimento ou não do adultério da mulher com olhos de ressaca, uma das maiores polêmicas da literatura brasileira. Saiba mais…

dom casmurro versão texto integral

Amizade Virtual por Kike Cárcamo

Vivemos a era das redes sociais, diariamente usamos aplicativos de mensagens para nos comunicarmos com o mundo inteiro. Amizades virtuais são possíveis, mas serão realmente saudáveis? Antes de mais nada, vamos pensar no conceito de amizade. O dicionário Aurélio define a palavra “amizade” como “afeição recíproca entre dois entes”, “boas relações”. E, para o termo “amigo”, é “ligar(-se) por laços de amizade”.

Antes da Internet

Para todos nós que crescemos no século XX, época em que o computador ainda estava surgindo, aprendemos a criar laços de amizade nos locais que frequentávamos em nossa infância ou adolescência, como a rua do nosso bairro. Hoje, isso não é possível, mas naquela época brincávamos com segurança na rua, em um terreno baldio ou em uma praça. Conhecíamos uma boa parte da vizinhança. Além do futebol, haviam os jogos de queimado, amarelinha ou bete (taco). Aqueles em que a família tinha recursos podiam fazer novas amizades no curso de inglês, música ou outros esportes, ou, ainda, os grupos comunitários de bairro e/ou religiosos para se socializar.

O Início das Redes Sociais no Brasil

No início dos anos 2000 começou a popularização dos computadores, a internet era discada e conectada a uma linha telefônica, ou seja, enquanto o usuário estivesse conectado à web, a linha estaria ocupada, não sendo possível realizar ou atender chamadas. A conexão era intermediada por um modem, que ligava o computador à linha.

As redes sociais no Brasil surgiram em 2003, quando foi lançado o LinkedIn, rede direcionada a contatos profissionais, e o MySpace. Em 2004, um ano muito marcante na história, foi quando surgiram o Orkut e o Facebook, que representou uma revolução na maneira de interagir com outras pessoas.

Desde o momento em que a Internet se tornou popular, as relações sociais ganharam novos significados. As pessoas passaram a interagir nas salas de bate-papo, nos fóruns e, atualmente, nas redes sociais. Com o preço dos aparelhos caindo, pessoas das classes mais humildes puderam ter acesso a um smartphone. Hoje são 1,2 aparelhos por pessoa – total de 249 milhões de celulares inteligentes em uso no Brasil. Com notebooks e tablets, o número de dispositivos portáteis chega a 364 milhões, ou 1,7 por habitante.

Aplicativo de Paquera

Surgiram milhares de aplicativos oferecendo todo tipo de serviço: científico, educacional, bancário, comercial, esportivo, jogos de azar e, inclusive, aplicativos de relacionamento. Veterano para os padrões da tecnologia, o Badoo começou com uma rede social para conectar pessoas em 2006, mas foi com o Tinder, mais popular app do segmento, que chegou ao Brasil em agosto de 2013, que o brasileiro passou a se relacionar de um jeito diferente: a paquera ficou virtual, menos emocional e mais direta. Mas nada supera o WhatsApp, rede social mais utilizada no Brasil: 93,4% das pessoas que usam internet no país utilizam diariamente esse aplicativo.

Uso de Smartphones nas Escolas

Para muitos pais e responsáveis, a hipótese de seus filhos estabelecerem amizades virtuais na internet é causa de preocupação. Escolas na Finlândia e Suécia começaram, recentemente, a proibir o uso de smartphones nas escolas. Uma pesquisa constatou que as crianças estão perdendo a capacidade de fazerem de cabeça as quatro operações matemáticas básicas: adição, subtração, multiplicação e divisão.

A Dependência Digital

Tem sido registrado por psiquiatras o aumento de pessoas com transtornos causados pelo uso contínuo de celulares. E que, na falta do aparelho, começaram a sentir pânico, fúria e tristeza profunda, indicando um problema mais grave, conhecido como nomofobia. O nome vem da abreviação da expressão “no-mobile-phone phobia” (em português, medo de ficar sem celular). Este vício digital é o medo irracional de estar sem celular ou aparelhos eletrônicos no geral, provocando sensação de desconforto e ansiedade. Segundo uma pesquisa realizada no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 34% das pessoas admitem ficar ansiosas longe dos celulares e 54% têm medo de se sentir mal por não estar com o aparelho.

Relações Tóxicas

Os críticos apontam para os problemas que foram amplificados pelas redes sociais, como o grande número de pedófilos que utilizam as mesmas para se aproximarem de crianças, ou, ainda, sujeitos conhecidos pelo termo em inglês como stalkers, que invadem a privacidade da pessoa e a perseguem de forma obsessiva, causando até mesmo violência psicológica e física. Há ainda os haters, pessoas desequilibradas e covardes que se escondem no anonimato da internet para destilar o ódio.

A Impessoalidade da Internet

Com o aparecimento dos jogos virtuais, o uso de ferramentas como avatares tornou a realidade virtual objeto de desejo por parte da juventude. O surgimento do Metaverso pode ser considerado uma evolução dos jogos on line. Trata-se de uma plataforma de relacionamento no mundo digital com pegada imersiva, ambientes virtuais e interações de pessoas e até empresas.

O Futuro das Amizades Virtuais: Um Futuro Sombrio?

Pesquisadores têm chamado a atenção de que cada vez mais pessoas que têm histórico psicológico de dificuldade de relacionamento social estão, através do uso contínuo dos aplicativos e jogos de internet, se afastando do mundo real, físico, negligenciando a proximidade física dos familiares e amigos. A maioria dos jovens sonha em ser famoso nas plataformas digitais, em vez de ter um emprego real. A situação está ficando tão extrema que pessoas caminhando nas ruas estão sofrendo acidentes, devido ao fato de não conseguirem se desconectar por muito tempo de seus smartphones.

Como se estivessem seduzidas por uma frequência eletromagnética de efeito hipnótico, as pessoas se tornaram viciadas em jogos, aplicativos e plataformas onde podem criar um “personagem” de si mesmo, procurando ser aceitas ou ter dezenas de curtidas em suas publicações.

Estamos perdendo habilidades importantes, como as conquistas amorosas, por medo da rejeição. Contraditoriamente, a necessidade de aceitação está conduzindo a sociedade a um estado pleno de isolamento e alienação. É provável que a era dos smartphones cause uma crise existencial sem precedentes na história da humanidade para se tornarem uma rede neural dentro de um mundo virtual, como se fossem robôs!

Conto – Amigos com Benefícios Por Daiane Carrasco

— O que foi? Que cara é essa?

— Ah nada… Aquela mulher com quem eu fiquei semana passada, lembra?

— Lembro, claro. O que que tem?

— Sei lá… Queria sair com ela de novo, mas ela me deu um perdido.

— Hummm entendo.

— É meio que… Quando uma mulher tem aquela pegada… Aquele jeito de te fazer achar tudo ótimo… De repente, ela some. Pensei que mulher gostasse de programa de fidelidade, milhagem… mas não. Elas não querem mais é nada!

— Bom… talvez a recíproca não seja verdadeira.

— Que que cê quer dizer?

— Que talvez… você não seja tudo isso.

— Ah tá… Todas dizem que eu sou ótimo!

— Será?!

— Que que cê tá insinuando? Que eu sou ruim de cama, é isso?!

— Eu não posso opinar. Só estou levantando uma hipótese. Sem ofensas…

— E se cê pudesse opinar? Diria a real?!

— Sim… diria. – Afirmava convicta, encarando-o nos olhos.

Ele a pegou pela mão. Levou-a até o carro. Dirigiu. Chegaram na sua casa. Apesar do estranhamento inicial, prosseguiram nas intimidades horizontais. Perturbava-o o fato de ela não suspirar, gemer ou retorcer-se prazerosamente às suas carícias, às suas incursões fálicas ou às suas frases de efeito. Fim de ato. Queria reafirmar sua reputação.

— E aí? Foi bom? Cê gostou?

— Não… não foi.

— Quê!? Tá de sacanagem! Por quê? Que que foi ruim?!Todas dizem que gostam!

— Elas mentem!

— Mentem como? Tá… cê disse que ia largar a real. Tô pronto. Manda!

— Cara… parece que você tá enfiando um pauzinho no formigueiro. Sem jeito, afoito… Difícil!

— Tá… vamos parar por aqui! – Vestiu as roupas de modo apressado. O orgulho viril estava ferido. Sorte que ela era sua amiga há anos. A humilhação masculina ficaria ali, confinada entre ambos.

Passaram-se os dias. Encontravam-se de segunda à sexta no trabalho. Costumavam almoçar juntos, mas por um tempo não conversaram. Puxar assunto poderia trazer à tona verdades inconvenientes. Até que ele tomou coragem.

— Cê… de repente, poderia me dar umas dicas. Cê topa?

— Topo o quê?

— Sei lá… repetir o lance. Tentar consertar onde tô errando.

— Meu, na real… compra uma boneca inflável e treina.

— Não… não foi isso o que eu quis dizer… – No calor do momento, a beijou. Ela acabou cedendo a mais uma de suas investidas. Agia como uma professora, de modo firme, porém, paciente.

— Acomode-se. Sinta. – Apertava-lhe e soltava-lhe, contraindo e relaxando os músculos, proporcionando-lhe sensações que sequer julgava que existiam. Finalmente compreendia o contexto e as inúmeras nuances de tecer e tocar o corpo de outrem. Desta vez, sentiu-se seguro. Ela não reclamara. Não o desdenhara ou desfizera-se do seu esmero.

Começou a pôr em prática seus novos conhecimentos. Samanta, Carla, Mônica… inúmeros encontros e procuras. Podia-se dar ao luxo de escolher a companhia da próxima noite. Sentia-se grato. Afinal, se não fosse a sinceridade de sua amiga, não teria galgado degraus na escala dos amantes. Porém, algo parecia-lhe fora de ordem.

Como a degustação de um bom vinho, no qual agita-se levemente a taça, cheira-se e bebe-se, almejava o ritual, a evolução e a conquista, pois somente a última — como fim — já não lhe bastava.

— Que que cê acha de ir lá pra casa hoje?

— Mas… você não tem companhia? Eu já não ajudei? Tá cheio de mulher nos contatinhos. Até mais!

— É… que eu queria que a gente passasse mais tempo juntos.

— A gente se vê praticamente todos os dias.

— É de outro tempo que eu tô falando.

— E que tempo é esse?

— Tempo que eu desperdiço quando não tô contigo.

Percebeu a surpresa no olhar dela. Tangeu-lhe a face. Ela retribuiu-lhe o gesto. Abraçaram-se. Atestava-lhe a intimidade e a confiança. O mundo não acabaria. A roda não seria reinventada. Ela estava ali, como sempre esteve.

Amizade Colorida por Sérgio Fernandes

Amor e colorido, palavras interessantes, ambas nos remetem a sentimentos de alegria! Muitas vezes ouvimos falar sobre amor, de nossas mães e pais, filosofias diversas, crenças religiosas, socioculturais, de nossos amigos. Tudo lindo, entramos na vida real imaginando o que é amor. Alguns buscam fidelidade e carinho, um porto seguro, aquele juntos para sempre, sentindo a plenitude da vida e o ápice na sexualidade.

Podemos encontrar opiniões de que a amizade colorida é uma forma de evitar o compromisso emocional e o risco de se envolver romanticamente. Muitas pessoas têm receio de entrar em relacionamentos românticos profundos por medo de se machucar, tendo origem muitas vezes de experiências passadas de desilusão, abandono, rejeição, traumas ou até mesmo da insegurança em lidar com sentimentos intensos.

Também vamos nos deparar com muitos casais que vivem há anos em uma amizade colorida e são felizes, bem resolvidos quanto ao relacionamento, e viverão até que a morte os separe, juntos em todos os momentos! O fato é que incomoda a sociedade um casal que não quer “assumir” um compromisso, fica mal visto! Mas não podemos deixar de comentar que muitos casais assumidos se distanciam mas não tem coragem de se separar, emperrando a felicidade de ambos.

Assumir ou não assumir? Eis a questão. Sem compromisso! Tudo bem. Quero exclusividade, mas não a rotina! Ambos concordam? Existem desvantagens nesse tipo de relação onde os limites não estão muito claros… Uma das principais é a expectativa de uma evolução que talvez não venha a ocorrer, frustrando uma das partes.

Em alguns países, onde o preço da moradia é muito caro, sendo necessário viver em imóveis muito pequenos, os casais levam uma vida mais descompromissada, até pela inviabilidade de morarem juntos. Casais resolvem por um motivo ou outro dormir em quartos separados, ou até virarem vizinhos, e o convívio e namoro continuam o mesmo, com um pouco mais de individualidade.

Filosofias e opiniões à parte, vamos jogar sério! A base de uma relação saudável é a honestidade. Talvez uma amizade colorida vire um caso de amor com felizes para sempre!

Conto: Amizade na Terceira Idade por Paulo Câncio

Sábado. Um casal idoso se prepara para o passeio matinal em uma praça perto de casa.

— Vamos, Carmela.

— Não me apresse, Roberval, sabe que eu gosto de caprichar na maquiagem. – falava em tom suave — Fico mais bonita para você.

Roberval sorri. A maquiagem era a única vaidade da esposa. Uma hora depois, ambos estão sentados no banco da praça.

— Caminhei com dificuldade hoje. Andei mais devagar. Meus músculos pareciam mais tensos. – Queixava-se ao marido.

Sábado à tarde. Roberval está em um canto lendo. Carmela está conversando com as amigas, como de costume, em sua reunião semanal. Almoço de domingo com a presença dos filhos, Renata e Pedro. Ao se levantar da mesa, Carmela quase cai. Terça-feira, à noite. O casal se prepara para dormir. Carmela começa a tremer. Roberval a toca para ver se o corpo está quente. Não está. Pega o termômetro. 36,5° C. Na manhã seguinte, vão ao médico. Dr. Nivaldo, muito cuidadoso, faz uma série de perguntas.

— Os sintomas indicam que pode ser mal de Parkinson. Tremedeira. Rigidez muscular. Movimentos mais lentos. Desequilíbrio.

O marido, os filhos e as amigas se mobilizaram para confortar Carmela. As mulheres iam lá para maquiá-la, mas tinham seus afazeres e nem todas eram tão detalhistas e habilidosas como a própria Carmela. Roberval, então, tomou a decisão de fazer um curso de maquiador e anunciou no almoço do domingo seguinte.

— Mas pai, um homem maquiador?! – falou Pedro. Ele não ficara satisfeito. Porém, a reação seguinte do pai impôs-lhe respeito. Fato corriqueiro desde que era criança.

— Uma geração depois de mim e tem a mente retrógrada!  – Roberval, ainda que de aparência frágil concedida pela idade, não se deixava intimidar.

— Eu acho lindo esse gesto amoroso para com a mãe – apoiava Renata – e não faz sentido querer impedir o pai de fazer algo que a saúde lhe permite.

 Roberval se matriculou no curso, escola anexa a um salão de beleza de renome. Na primeira aula, todos se viraram para ele, quando souberam que era aluno.

— Faço isso por minha esposa que está com Parkinson e não pode mais se maquiar. – Respondia aos curiosos.

  Roberval ficou surpreso quando o professor disse-lhe que tinha senso estético. Depois de dois meses de curso, maquiava melhor do que a filha e algumas amigas de sua esposa. Com três meses, se aproximava do capricho de Carmela. Com quatro meses, superou a esposa. Roberval era muito querido no curso. Ia animado para as aulas e voltava alegre para casa. Carmela estava feliz com sua aparência e com a empolgação do marido.

Depois de concluir o curso, no dia do aniversário de Carmela, Roberval a chamou para sair. Ela estava desconfiada de que se tratava de uma festa surpresa. Foram ao salão de beleza. Ele maquiou a própria esposa. Ela teve acesso a outros serviços como cabelereiro. Carmela ficou radiante, mas também preocupada.

— Não se preocupe, meu amor, tive um desconto e vou parcelar. Além disso, o maquiador saiu de graça.

Alguns ex-colegas do curso de maquiagem eram, agora, funcionários do salão. Os ex-colegas e o dono, Osvaldo, professor de Roberval no curso, foram convidados para a festa de aniversário na casa de Renata. Carmela estava tão radiante que não desconfiou da segunda surpresa do dia.

            Na festa, enquanto Roberval conversava com seu ex-professor e seus ex-colegas, Pedro se aproximou. O pai ficou preocupado, pois este sempre demonstrou reprovação quanto ao pai ser maquiador. No entanto, Pedro foi bastante amigável e se entrosou com facilidade na conversa.

 Uma semana depois, Roberval foi ao salão para pagar a primeira parcela.

— Pagar o quê? – perguntou Osvaldo – Foi um presente meu. O senhor é nosso amigo. Ficamos felizes por contribuir.

Roberval ficou sem palavras. Era uma sexta-feira. Os funcionários do salão foram a um bar e Roberval os acompanhou. Voltou para casa bastante alegre.

Na tarde seguinte, Carmela estava com as amigas. Ela e o marido, de quando em quando, trocavam olhares sorridentes.

E aí, Comeu? – Filme por Cláudia Borges

“E aí, comeu?”, comédia brasileira de 2012, apostou na vida pacata de três homens adultos e suas percepções do mundo das mulheres e dos relacionamentos. O filme inicia com uma conversa de dois amigos no banheiro do bar, que participa tanto do filme, local das principais cenas e conversas, que quase corresponde a um personagem coadjuvante, Bar Harmonia — talvez um dos poucos acertos do filme, sendo um local de alegria e festividade.

O filme é uma adaptação de uma peça de teatro de Marcelo Rubens Paiva, dirigido por Felipe Joffily, com os atores Bruno Mazzeo como Fernando, Marcos Palmeira como Honório e Emílio Orciollo Neto como Afonso (Afonsinho para as mulheres). Os três são os personagens que irão conversar sobre mulheres no bar. A conversa é a do machão alfa. Os personagens todos com algum problema de relacionamento: Fernando em processo de separação — o qual ele não aceitou completamente; Honório em um casamento que esfriou, achando que estava sendo traído pela esposa, mas, na primeira oportunidade de trair, o machão vai a uma suruba — não pratica nada porque as garotas do local são caras — e Afonso, o solteiro literato, que, na verdade, consome pornografia e se envolve com garotas de programa —  vive tentando terminar um livro, mas não consegue — já tendo feito várias versões do mesmo.

Na tentativa de humor, o filme acaba errando rude, pois se concentra no estereótipo de mulher objetificada. Assim, os três personagens conversam alto sem se preocupar com quem ouve as barbaridades. Os personagens conseguem mostrar quem realmente são apenas no Bar Harmonia. Lá dentro eles contam piadas machistas, sexistas e racistas inclusive. Em meio às conversas, aparecem algumas cenas de fatos ocorridos com eles, como uma lembrança, ou como se estivessem contando para os outros na mesa do bar. O público assiste à cena, que muitas vezes é comentada pelo amigo mais experiente – o casado, Honório. Ele acaba aparecendo no meio da cena, como um narrador que ensina como lidar com as mulheres. Na mesa do bar Honório fala sobre ter que ensinar as mulheres, haja vista que elas não sabem lidar com os homens. Apesar de ele parecer o mais experiente e que dá conselhos aos amigos, não conta as suspeitas que tem sobre a mulher, porque macho que é macho não precisa se explicar.

A mulher objeto, se casada, pode ser usada e ludibriada com mentiras esdrúxulas, ou simplesmente serem tão fúteis que só querem enganar o marido, tornando o homem, tanto o amante como o marido, vítimas dessa mulher má! Se for inteligente, mau sinal. A mulher inteligente os assusta!

Fernando começa a se sentir atraído por uma menor de 17 anos — nenhuma novidade que não atraia um tipo de público masculino que irá se identificar com as falas e atitudes dos protagonistas. Ao longo do filme, esse relacionamento se desenrola e tenho a impressão de que querem mostrar o homem de mais de 30 anos como inocente perante uma menina de 17.

Afonsinho não conseguiu publicar seu livro, pois segundo o tio: a falta de amor não é bom nem na literatura, nem na vida. Fala essa que talvez possa tentar emocionar o público, pois o que falta nas vidas destes três homens é o amor das mulheres, que são seres incompreensíveis e sem desprendimento.

Honório é o típico homem casado que, com três filhas, fica traumatizado em ter que cuidar das necessidades básicas das crianças ou da casa — tarefas domésticas “femininas” — enquanto sua mulher sai. Como uma mulher sair não é normal, ele passa a investigá-la por conta própria. Interessante que ele fica todos os dias no bar, mas a quer em casa. Descobre que a esposa joga com as amigas dentro de um apartamento, nem ao bar ela ia! Após uma discussão, o casamento volta aos eixos.

O fim é um felizes para sempre dentro do Bar Harmonia. Afonsinho se casa com a prostituta — a velha máxima de tirar a mulher da zona. Honório de bem com a mulher porque não é corno e Fernando namorando a garota de 17 anos. O amor venceu, mas que amor é esse?

O par ideal de Fernando é uma garota de 17 anos, inexperiente, que não vai ser superior a ele; Honório com a mulher que joga com as amigas, não vai ao bar e nem sai para balada e se submete a ele — mesmo sem demonstrar; e Afonsinho, com a vitória de transformar a mulher da rua em uma mulher de bem, casada.

E aí, comeu? Acaba se aparecendo com as comédias norte-americanas criadas para homens brancos, heterossexuais, de classe média, mostrando os amigos no bar e intercalando com algumas paisagens do Rio de Janeiro. Assim, o público-alvo é atingido ao retratar a amizade masculina, escancarando o quanto o machismo estrutural está presente e é bem aceito, não só nessa comédia, mas na nossa sociedade. Retrata o estereótipo de mulheres aceitas por esses homens. E como num conto de fadas, no qual ninguém é feliz sozinho, todos os pares se encontram no Bar Harmonia, que continuará recebendo os três amigos e outros amigos e outros amigos! O questionamento que fica é: a arte não deveria questionar e contestar os papéis sociais ao invés de reforçá-los?

e ai comeu o filme

Fernando é um recém separado, e não se conforma com o fracasso de seu casamento com Vitória, enquanto seu amigo Honório, um jornalista machão casado com Leila, não para de desconfiar que a esposa está traindo ele. Também amigo da dupla, Afonsinho sonha em ser um escritor de sucesso, tira onda de intelectual e se relaciona com prostitutas. Juntos, eles vão debater e descobrir qual é o papel deles nesse mundo povoado por mulheres, sejam elas interesses amorosos ou não. Saiba mais…

Livros Indicados

Os livros que indicamos de alguma maneira nos tocaram, ou tocaram o mundo literário. Nesta edição, incluímos uma biografia de peso, um livro de poesias contemporâneas e um livro de temática teenager!

elis regina nada sera como antes

Elis Regina. Nada Será como Antes
Autor: Julio Maria

A esperada biografia de Elis Regina, escrita por Julio Maria, repórter do jornal O Estado de S. Paulo, traz a história da maior cantora do País . “Elis Regina – Nada Será Como Antes” narra a vida da cantora desde seus primeiros dias em Porto Alegre, onde interpretava “Fascinação” ao lado das amigas nas escadarias de um colégio, até sua despedida trágica, aos 36 anos, quando estava prestes a, de novo, mudar tudo em sua vida. “Não vivi a era de Elis. Quando ela faleceu, em 19 de janeiro de 1982, eu tinha nove anos de idade, e diante dessa personagem gigante, fui o que sou há 16 anos: repórter. Saiba mais…

Toda Poesia
Autor: Paulo Leminski

Paulo Leminski foi corajoso o bastante para se equilibrar entre duas enormes onstruções que rivalizavam na década de 1970, quando publicava seus primeiros versos: a poesia concreta, de feição mais erudita e superinformada, e a lírica que florescia entre os jovens de vinte e poucos anos da chamada “geração mimeógrafo”. Ao conciliar a rigidez da construção formal e o mais genuíno coloquialismo, o autor praticou ao longo de sua vida um jogo de gato e rato com leitores e críticos. Saiba mais…

confissoes-de-uma-garota-excluida-Thalita-Rebouças

Confissões de uma Garota Excluída
Autora: Thalita Rebouças

Tetê acaba de se mudar com a família toda para a casa dos avós em Copacabana, no Rio de Janeiro. O lindo e espaçoso apartamento da Barra da Tijuca em que morava teve que ser vendido, pois com a crise o pai perdeu o emprego, e o resultado é que a vida dela virou de cabeça para baixo. Além de perder a privacidade – tendo que dividir o espaço com cinco parentes malucos que brigam o tempo todo –, ela perdeu todas as suas referências. A única coisa que a deixa feliz é cozinhar. E, claro, comer as delícias que faz. Saiba mais…

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Até a próxima edição amigos leitores!