Edição 26 – Memórias de infância – Outubro 2025

Edição 26 – Memórias de infância – Outubro 2025

Introdução | Resenha do livro: Marcelo, marmelo, martelo e outras histórias | Filme: Meu primeiro Amor (1991) | Paul, filho de Pablo, vestido de Arlequim, Pablo Picasso (1924) | Empinando pipas, Cândido Portinari (1941) | First steps, after Millet, Van Gogh (1890) | La vague, Camille Claudel (1897) | A família, Tarsila do Amaral (1925) | Livros Indicados | Corpo Editorial | Escritores da Edição

Utilize a navegabilidade da página:
Clicando nos títulos do sumário o artigo referente será posicionado. (o site tem o botão de topo durante toda navegação).
Clicando nos nomes dos autores dos artigos te levará ao perfil do Instagram (em nova aba).
No decorrer do texto podem existir links para acessar mais informações referente ao conteúdo.
Se preferir o arquivo em PDF para ler off-line e compartilhar, baixe-o aqui.

Fernando Pessoa escreveu: “A criança que fui chora na estrada. / Deixei-a ali quando vim ser quem sou; / Mas hoje, vendo que o que sou é nada, / Quero ir buscar quem fui onde ficou.”

Nenhuma fase da vida é tão marcante quanto os primeiros anos da vida. É quando construímos a nossa identidade, passamos a ter impressões sobre as pessoas. É a etapa primordial do desenvolvimento cognitivo, da coordenação motora e do aprendizado. O amor, o acolhimento e as brincadeiras são fundamentais.

Parece simples, mas nada é mais complexo do que ser criança. Elas são criadas por seres humanos que há muito se distanciaram do seu universo lúdico – os adultos. O tempo vai nos impregnando de imediatismo e de impaciência com quem acabou de chegar na aventura da existência. Às vezes, precisamos abrir as gavetas da memória.

Esperamos que esta edição seja uma recordação doce da infância, quando os problemas se resumiam a pular o muro dos vizinhos pra buscar a bola ou à bronca dos pais por notas vermelhas no boletim.

Boa leitura!

Resenha do livro: Marcelo, marmelo, martelo e outras histórias por Mayara Beani

“Ruth nasceu numa família de assíduos leitores e contadores de histórias. (…)” – é assim que começa a sua biografia na Wikipedia, o que causa zero surpresa em se tratando de alguém com mais 200 títulos publicados, traduzidos para 25 idiomas.

Ruth Rocha, autora consagrada da literatura infanto-juvenil nacional, nasceu em São Paulo em 1931. Formada em Ciências Políticas e Sociais, trabalhou como editora e também como coordenadora do departamento de publicações infanto-juvenis da editora Abril. Publicou seu primeiro livro somente aos 45 anos (“Palavras, muitas palavras”, 1976). Em quase 50 anos dedicados à literatura, Ruth, hoje membro da Academia Paulista de Letras, recebeu prêmios da Academia Brasileira de Letras, da Associação Paulista dos Críticos de Arte, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, além de oito prêmios Jabuti, e outros. 

Com textos leves, diretos e delicados, Ruth demonstra profundo respeito à inteligência e sensibilidade das crianças, falando de “igual pra igual”, com histórias corriqueiras que geram empatia, mas fogem do óbvio, instigando a imaginação e o aprendizado independente.

“Marcelo, Marmelo, Martelo”, “Teresinha e Gabriela” e “O Dono da Bola” compõem seu segundo livro publicado – Marcelo, Marmelo, Martelo e outras histórias (Ed. Salamandra, 1976) — seu best-seller, um clássico nacional, com mais de setenta edições e vinte milhões de exemplares vendidos. Com sua linguagem objetiva, em um livro atemporal, Ruth nos convida a pensar a complexidade da compreensão de mundo e sociabilização de nossas crianças, abordando temas como identidade, amizade, apoio e comunicação.

A tradicional “lição de moral” dos contos da época vem em forma de diálogo e convite à reflexão – “(…) Você acha que foi bom ou que foi ruim Teresinha e Gabriela ficarem amigas? Você também tem amigos diferentes de você? O que é que você aprende com eles? …” – seja para criar novos finais, inventar novos personagens ou escrever um diário sobre o que o personagem (ou você) sentiu diante das evoluções da trama, ela promove não apenas a reflexão, mas incentiva a escrita e a imaginação.

Um menino que reinventa os nomes das coisas, duas meninas que descobrem a diversidade em um processo de autoconhecimento e identidade, e um grupo de amigos que aprendem juntos sobre pertencimento, humildade e trabalho em equipe –  são as tramas que embalam o livro, dedicado a crianças em fase de alfabetização e formação social (de 5 a 8 anos). 

Editado e comercializado pela Editora Salamandra, disponível para compra nas principais plataformas de compras on-line, em praticamente qualquer biblioteca pública, como tantos outros títulos nacionais, infantis e juvenis, talvez “Marcelo, Marmelo, Martelo e outras histórias” seja profundo demais para adultos lerem, mas vale a tentativa, talvez mediada por seu filho ou sobrinho, para garantir a sua compreensão.

Seguindo a proposta da Ruth, de imaginar outros finais para as histórias do livro, eis o que penso:

“Não, eu não mudaria nada no final de Marcelo, Marmelo, Martelo. Pais que se rendem, apoiam e se esforçam para compreender a linguagem particular do filho e seu modo de ver o mundo é o final perfeito… Talvez eu crie uma história sobre um menina que gostava de rabiscar paredes, o que lhe rendeu muita confusão, mas no fim seus tutores compreenderam a sua forma de se comunicar…”

“Se você não tem amigos diferentes de você, provavelmente tem algo de errado contigo… Conhecer o diferente é incrível, e em tempos em que nos dizem para não nos compararmos com o outro, talvez seja necessário ensinar a experenciar o outro, e se não gostar, voltar como era antes, ou aproveitar partes do outro pra construir o seu todo, sua própria identidade. Se eu pudesse criar um amigo, ele seria um camaleão, que mudaria de qualidades e defeitos todos os dias, às vezes parecidos com os meus, às vezes totalmente diferentes.”

“Gosto de colares, colares de pedras, cada uma com um significado. Frequentemente, um amigo, conhecido ou desconhecido diz ‘Nossa, que pedra legal’, e lá se vai mais um colar… mas tem alguns destes colares que eu dou um risinho sem graça, agradeço e guardo a pedra por dentro da camiseta… nem sempre estou a fim de dividir. Acho que em seu diário o Caloca iria escrever sobre isso, sobre querer fazer parte, sobre aprender a dividir e jogar junto. Mas que às vezes ele só queria que fosse do jeito dele mesmo, e tudo bem.”

Marcelo, marmelo, martelo e outras histórias
Autora: Ruth Rocha

Situações do cotidiano ganham encanto nas palavras de Ruth Rocha, que inova a maneira de contar histórias. Os personagens dos três contos deste livro são crianças que vivem no espaço urbano. Elas resolvem seus impasses com muita esperteza e vivacidade: Marcelo cria palavras novas; Teresinha e Gabriela acabam se identificando, apesar das diferenças; Caloca compreende a importância da amizade.Edição com texto especial da professora Marisa Lajolo. Saiba mais…

Filme: Meu Primeiro Amor (1991) por Paulo Câncio

Vada (Anna Chlumsky), no início da adolescência, é uma garota alegre e extrovertida. Vive com o pai, Harry (Dan Aykroyd), e a avó (An Nelson). A mãe morreu no parto.  A residência, onde moram, é conjugada com uma funerária, meio de subsistência da família. Vada transita, livremente, pelo local e é querida por todos. Tommy (Macaulay Culkin) é seu melhor amigo, os dois estão sempre juntos.

A morte da mãe lhe impacta de duas formas: na culpa secreta de ser a causadora da morte e na convivência com o pai, que se fechou para a vida depois que ficou viúvo. Outras figuras masculinas na vida de Vada são o médico (Peter Michael Goetz) e seu professor de inglês (Griffin Dunne). Vada chega aflita no consultório do primeiro, alegando sintomas das causas de morte dos falecidos que passam pela funerária; ele a recebe compreensivo, examina, confirma que ela está sã e não mostra aborrecimento com as reações malcriadas de ceticismo do diagnóstico. O professor, como homem adulto, que ela admira, representa uma figura paterna alternativa e inconsciente; sendo bonito, mexe com as aspirações dela de um primeiro amor.

Tommy é tímido e tende a fazer o que Vada quer, devido a seu temperamento imperativo. Brincam, andam de bicicleta, conversam, sobem em árvore. É com ele que acontece o primeiro beijo. Uma cena muito terna, em que ambos testam beijar no próprio braço antes de tocarem os lábios.

Surge Shelly (Jamie Lee Curtis), maquiadora, em busca de trabalho. Surpreende-se ao ver que o local é uma funerária e não um salão de beleza, mas aceita o emprego. Mora em um trailer. Atrai a curiosidade de Vada. Potencialmente, uma figura materna. Quando começa a rolar um clima entre Shelly e seu pai, a garota começa a vê-la como uma rival que pode roubar-lhe o afeto dele. Na realidade, Shelly começa a resgatar em Harry o desejo de viver. Tommy é picado por abelhas; tem alergia severa, termina morrendo. O mundo de Vada desaba. Seu primeiro amor morre, seu amigo de infância se foi. Ela mergulha num vazio. Shelly a acolhe e sinaliza para Harry o quanto Vada precisa da figura paterna.

O filme é comovente, pois traz uma temática incômoda – o luto na infância. O roteiro aborda a relação com a morte de diferentes maneiras: no ganha pão da família, na ausência materna, na perda do melhor amigo. Em todas as abordagens, espectador torce pela protagonista e se dói por também ter passado por situações semelhantes. Típico clássico da Sessão da Tarde que envelheceu bem.

Meu primeiro amor (1991)

Direção: Howard Zieff | Roteiro: Laurice Elehwany
Elenco: Anna Chlumsky, Macaulay Culkin, Dan Aykroyd
Título original: My Girl

Vada Sultenfuss (Anna Chlumsky), uma garota de 11 anos, é obcecada com a morte, pois sua mãe morreu e seu pai, Harry Sultenfuss (Dan Aykroyd), é um agente funerário que não lhe dá a devida atenção. Vada é apaixonada por Jake Bixler (Griffin Dunne), seu professor de inglês, e no verão faz parte de uma classe de poesia só para impressioná-lo. Paralelamente é muito amiga de Thomas J. Sennett (Macaulay Culkin), um garoto que é alérgico a tudo. Quando Harry contrata Shelly DeVoto (Jamie Lee Curtis), uma maquiadora para os funerais, e se apaixona por ela Vada se sente ultrajada e quer fazer qualquer coisa que estiver em seu poder para separá-los.Saiba mais… (Adoro Cinema) | Saiba mais… (Wikipédia)

Paul, filho de Pablo, vestido de Arlequim, Pablo Picasso (1924) por Daiane Carrasco

O arlequim

Paul, filho de Pablo, vestido de Arlequim, Pablo Picasso (1924)

O arlequim, comédia dell’arte
É sedutor, ágil e astuto.
Infante, de festo traje,
Aparenta estar de luto.

Pálida infância gris
Um Pescador sem história
Amarelinha sem giz
Oco Cavalo de Tróia

O gato a língua comeu?
O fevereiro já passou?
Vida corou, desbotou.
Menino de ontem cresceu.

Homem feito, adulto são
Responsável, resoluto
Trabalho, uso, atribuição
Empresta-me um minuto?

Nunca pulou no sofá?
Recebeu a fada do dente?
Esperou o joelho sarar?
Ou arfou o coração dormente?

Empinando pipas, Cândido Portinari (1941) por Igor Pires Leon

Empinando pipas, Cândido Portinari (1941)

O papel de seda vermelho, comprado na lojinha da dona Magda, as varetas de bambu cortadas com esmero: todas do mesmo tamanho. A cola, o carretel de linha número dez – tudo espalhado sobre a mesa da cozinha. Minha mãe gritando lá do quintal, enquanto estendia a roupa no varal, para eu não fazer bagunça.

Meu pai preparava a rabiola com fitilhos de papel de seda verde. Eu observava a sua paciência em recortar em tiras finas o papel e amarrá-los um a um na linha com cortante que ele mesmo havia preparado. Era uma sensação tão boa aquela de estar com o meu pai, montando nossa pipa.

O esqueleto de bambu, devidamente amarrado, pronto. Sob o olhar do meu pai, que dava uma dica aqui, outra acolá, eu colava as dobras com os meus dedos ágeis, para que a folha de seda vermelha e o esqueleto se unissem em matrimônio – a união perfeita, e flutuassem um só, inseparáveis, amantes dos céus.

A pressa para chegar ao campinho era tanta que deixávamos a bagunça para trás. Nas manhãs de domingo, as peladas cediam lugar para os garotos e suas pipas. Meus amigos Pedro, Júlio e Mascote já estavam lá. Meu pai desenrolava a rabiola verde, amarrava, fazia os últimos ajustes, passava a mão na linha com cortante para averiguar falhas. Ele era o único pai ali. Via-se em seu rosto a alegria de um garoto crescido. Seus olhos brilhavam, olhavam para o céu e atentavam para a direção do vento. Ele pedia para eu ir me afastando com a linha, enquanto conduzia nossa obra aos céus, subindo. Eu sentia o vento. A linha esticava e quanto mais linha eu dava, mais longe a pipa ia, até ficar um pontinho escuro no azul claro.

Meu pai aconselhava que eu recolhesse a linha, pois ela logo arrebentaria. Assim eu o fazia, obedecendo às ordens de quem conhecia as artimanhas do vento. Ela dançava no ar, como uma bailarina a desafiar a gravidade. Eu a guiava para lá e para cá ao lado de outras dezenas de pipas coloridas − umas maiores, outras menores, umas tão bonitas. Meu velho me dava as coordenadas para fugir de uma linha que se aproximava da minha para cortá-la.

Mascote viu sua pipa partir para longe. Não sentiu muito, pois tinha uma substituta. Pedro estava fazendo a rapa. Júlio estava de briga com outra. Por vezes, meu pai tomava a linha de minha mão para evitar que alguém tentasse interceptar a nossa linha. Ele parecia hipnotizado. Ficava bravo, comemorava quando cortava uma pipa rival, depois sossegava. Eu ria dos seus atos e ele entregava a linha para mim, deixava eu guiar mais uma vez.

Ah, como eram boas aquelas manhãs de domingo com meu velho pai, empinando no campinho de futebol, brincando com outras crianças, contabilizando quantas foram cortadas, quantas foram perdidas. A ansiedade para o próximo final de semana, quando compraríamos mais papel de seda, mais bambu para fazermos nossa pipa, planejando as cores, o tamanho.

Hoje eu já não empino mais, fico somente na saudade daqueles tempos. Pena que tudo acaba um dia.

First steps, after Millet, Van Gogh (1890) por Gustavo Caperutto da Mota

A pose perfeita de Millet

First steps, after Millet, Van Gogh (1890)

Menina deu primeiros passos
Rumo ao conforto paterno
Lá em meio àqueles braços
Do suposto amor eterno.

Ganhou cor em seus rabiscos.

Pisou em falso no caminho!
Deu-se com a cara no chão
E o pai, tão pobrezinho
Tentou socorrer, em vão.

Ganhou cor em seus rabiscos.

Descobriu assim a verdade
Viver na expectativa
Buscar o amor em toda idade
Ainda que fique à deriva…

Ganhou cor em seus rabiscos.

Van Gogh também reproduziu a obra de Millet

First steps, after Millet, Van Gogh (1890)

La vague, Camille Claudel (1897) por Marcelo Elo Almeida

Marchons! Marchons!

La vague, Camille Claudel (1897)

— Fica na Varenne, 77, pai. Linha 8. Estação Les Invalides é a mais perto.

Descemos nela. Depois de um dia conhecendo jardins, pontes e museus, tudo a pé, mais quinze minutos de caminhada não me parecia alguma coisa que eu pudesse chamar de perto. Me sentia como a avenida sugeria, quase um inválido. Mas o 77 da Varenne estava ali. Rodin nos esperava. Como já era tarde, tínhamos menos de uma hora para visitar os jardins e o prédio. Resolvemos começar por dentro, apesar daquelas elegantes e atrativas aleias cheias de esculturas.

Lá dentro, direto ao primeiro andar, sugados pela magnífica escada em mármore, íamos sem pressa, parando em cada detalhe que chamasse a atenção. Um ângulo improvável, uma luz oblíqua, as meia-paisagens do jardim que se mostravam em cada um dos inúmeros janelões. Bronze, mármore branco, gesso, todo material que aceitasse, estava ali moldado por ele, sempre em forma humana. Atribuindo delicadeza e inteligência a materiais tão brutos, ficava a meio caminho de Deus. Se não criava vida, criava emoção, que é a mesma coisa.

A atmosfera de arte vai se instalando. Desespero, coragem, amor, paixão, alegrias e sofrimentos vão sendo apresentados de modo aleatório, em homens, principalmente, mas também em mulheres e crianças, muitas vezes em grandes formatos e em temas que vão se sucedendo quase que infinitamente.

Os olhos começavam a se anestesiar quando passo por uma obra menor, num lugar de não muito destaque. Naquela profusão de esculturas negras e brancas, a sua cor esverdeada chamou minha atenção. O formato também me intrigou. Três meninas de mãos dadas em roda, uma delas olhando assustada para algo disforme acima delas. Leio a placa, La Vague. Claro, três meninas brincando na praia, surpreendidas por uma onda.

Aquelas crianças, amedrontadas pela massa d’água prestes a cair sobre elas, forçavam minha memória, mas não encontro nenhuma lembrança parecida em meus momentos de praia. Morei toda minha infância numa ilha, praias de baía e, por isso mesmo, águas plácidas, mais pareciam piscinas. Medo em praia só mesmo quando adulto na Zona Sul do Rio, depois de deixar para trás a poluição trazida pelos petroleiros nos anos oitenta. Copacabana é praia de onda e correnteza, ou seja, absoluta falta de paz para pais de crianças pequenas.

Aliás, qualquer onda que batesse no tornozelo da Mariana era uma ameaça tsunâmica. Choro, correria e pedido de colo, enquanto eu não desgrudava os olhos do Gabriel, em meio a um paredão de barracas e pessoas zanzando pra lá e pra cá o tempo todo. Quem disse que pai curte praia?

De volta a Paris, retomo a visita. Percebo, com a visão periférica que um pai nunca perde, que Mariana se aproxima de La vague. Não sai correndo, nem chora. Sorri, talvez tenha a mesma lembrança. Como aquela menina medrosa, que não molhava nem a planta dos pés na praia, adquiriu tanta coragem para se mudar sozinha para um país estrangeiro sem dominar razoavelmente a língua? E a coragem de uma daquelas meninas que encarava la vague prestes a se precipitar sobre sua cabeça, continuaria na vida adulta? Entenderia que ela é de bronze e que la vague é água e só pode molhá-la? Ou se amedrontaria ante qualquer coisa, num movimento inverso ao de Mariana?

Talvez a coragem daquelas meninas — a banhista e a brasileira residente em Paris – fosse a mesma de Camille Claudel, artista capaz de escolher um tema despretensioso e vulgar com um material diferente e de dimensões reduzidas. Haja coragem em exteriorizar sua originalidade, mesmo sob a sombra agigantada de Rodin. Enfrentar os fantasmas, encarar os sonhos. Marchons! Marchons!

A família, Tarsila do Amaral (1925) por Karine Souza e Pousas

A família, Tarsila do Amaral (1925)

Vim da roça com meus pais quando ainda era menino pequeno. Tinha 8 anos e lia todas as placas que apareciam na estrada. Meu pai, orgulhoso, me sentou no banco da frente, entre ele e o motorista.

Minha mãe e irmãos se espremeram como dava no banco de trás. Na boleia iam nossos poucos pertences e alguns passarinhos que meu pai resolveu levar conosco. Para trás ficavam as brincadeiras com meus tios, banhos de rio e um abraço caloroso da minha avó.

— A gente precisa fugir dessa vida sofrida. — dizia minha mãe tentando consolar a mim e a meus irmãos.

— Seu lugar é aqui minha filha. — sussurrava minha vó para minha mãe no pé do fogão à lenha — Aqui a gente se une, se espreme. Mesmo em momentos de aperto, você sabe que aqui tem a quem recorrer.

 “Bença vô, bença vó”. Despedi-me daquela vida. As casas a gente levantava do barro, com tijolos que a gente mesmo curava. As novenas eram sempre em casa de conhecidos.

No último dia, o sol abraçou minha família. Eu e os meus irmãos não choramos. Simplesmente fomos. É preciso ter temperança para receber as benesses e os solavancos que a vida nos dá pelo caminho.

De repente, não sacolejávamos como antes. Era o asfalto. Ali tudo deslizava, seguia mais rápido. Eram os ventos do progresso e de melhores oportunidades. Caminhões enormes nos ultrapassavam. Conheci a eletricidade.

O trilho do trem, a picada na mata, o chão batido cruzado a cavalo ficaram. Em frente, a promessa do progresso. Alguns passos adiante de cada vez.

Sou um entre tantos Josés. Mais um a migrar pelo Brasil — um viajante em busca de seu próprio caminho. Não vou sozinho. Tenho fé e família.

Livros Indicados

Nesta edição, preparamos grandes descobertas! Um livro sobre a história da humanidade em episódios poéticos; outro, uma fábula acerca do conhecimento; o terceiro, uma alegoria das grandes navegações portuguesas. Mais cult, impossível!

Os filhos dos dias
Autor: Eduardo Galeano

Você sabia… …que o episódio de Adão e Eva mordendo a maçã não aparece na Bíblia? …que o grego Eratóstenes mediu a cintura do mundo há dois mil e trezentos anos e errou por apenas noventa quilômetros? …que até 2008 Nelson Mandela integrava a lista de terroristas perigosos para a segurança dos Estados Unidos? …que até 1990 a homossexualidade era considerada uma doença mental segundo a Organização Mundial da Saúde? …que ao enterro de Karl Marx compareceram onze pessoas, incluindo o coveiro? …que a bicicleta foi, há um século, um instrumento de liberação feminina? …que a cada duas semanas morre um idioma? Inspirado na sabedoria dos maias, Eduardo Galeano escreveu um livro que se situa como uma espécie de calendário histórico, onde de cada dia nasce uma nova história. Provocante, intenso e sensível como toda obra desse escritor uruguaio, “Os filhos dos dias” agrega 366 relatos que compõem a História, desde a Antiguidade até o presente. Transcendendo fronteiras geográficas, o livro abraça a diversidade de povos e culturas no formato de diário coletivo: de 1º de janeiro a 31 de dezembro (sem esquecer o 29 de fevereiro, que aparece somente de quatro em quatro anos), cada dia dedica-se a contar uma história diferente. São episódios que ocorreram no México de 1585, no Brasil de 1808, na Alemanha de 1933 e em outras épocas e países. São histórias escritas com a narrativa poética e realista de Eduardo Galeano, já consagrada em livros como As veias abertas da América Latina, Espelhos e Memórias do fogo. Porque somos feitos de átomos, mas também de histórias. Saiba mais…

De repente nas profundezas do bosque
Autor: Amós Oz

Uma pequena aldeia atravessada por um rio cristalino e rodeada por um bosque frondoso tem uma particularidade insólita: não há nela nem um único animal. Nem animais domésticos, nem silvestres; nem peixes, nem aves; nem mesmo insetos de qualquer espécie perturbam a monotonia da vida dos aldeões. Mas dois garotos, Mati e sua amiga Maia, não se conformam com os rodeios e as histórias mal contadas dos adultos e resolvem investigar por conta própria, desafiando a proibição de entrar no bosque, onde reina o temível Nehi, o demônio das montanhas. Depois dessa aventura, nenhum dos dois será mais o mesmo – nem a aldeia. Numa linguagem desenvolta, plena de humor e sutileza, Oz nos envolve num universo assombroso e fascinante, exaltando o poder do conhecimento, da independência de espírito e da ética pessoal contra as ideias feitas que perpetuam a discriminação, a intolerância, a opressão. Não há, portanto, solução de continuidade entre a empenhada literatura “adulta” do escritor e esta que ele definiu apropriadamente como “uma fábula para todas as idades”. Saiba mais…

Um dia chegarei a Sagres
Autora: Nélida Piñon

Nélida Piñon não publicava um romance inédito desde o premiado Vozes do deserto, de 2004. “Um dia chegarei a Sagres” é, portanto, per se, um acontecimento literário. A autora nos oferece um épico poderoso, passado no século XIX, em um Portugal profundo, produto da fé na tradição oral e na cultura da memória.

Nélida move-nos – tendo Mateus, o narrador, como corpo; e Camões, o norte, como alma – pela terra, pelo chão que é também rio, até que a estrada seja o mar. A viagem – o lançar-se – é destino daquele povo. A represa – um mar inteiro a atravessar – é Vicente. O avô. Aquele que criou Mateus, filho da meretriz e neto de pai desconhecido. Um neto que encarna o campo português. Na trama íntima, plena de pujança, essas relações, em que a secura de gestos e palavras se impõe, Nélida Piñon faz desaguar alguns dos elementos que compõem o imaginário de sua ficção: não apenas a aldeia, mas o universo da aldeia; não apenas os animais, mas a sacralidade dos animais; não apenas Deus, mas a presença de Deus; não apenas o sexo, mas o sexo que rege o instinto indomável.

Vicente, o cético, morre; é a represa levantada. Mateus vai, um Vasco da Gama inteiro em seus desejos. A aldeia fica. Mateus, desde o alto da colina de São Jorge, uma nesga de Tejo a ver, narra. Narra Amélia, a mulher do Oriente; quem sabe a esperança? Ainda Vicente, memória do passado, o legado do Infante D. Henrique. Sempre sob a fantasia eterna, obsessão de um dia chegar a Sagres. Narra a história de Portugal – de uma civilização – na saga do indivíduo, um camponês talvez intrépido. Impossível não encontrar no caráter deste fascinante épico de Nélida Piñon – deste livro de século – um novo “A república dos sonhos”, romance que é marco da literatura em língua portuguesa. Saiba mais…

Continue acompanhando em nosso site: Edições de 2023, Edições de 2024 e Edições de 2025.

Caro Leitor! Inscreva-se em nossa Newsletter, receba todos os meses no seu e-mail e ainda com direito a surpresas.

Caro Escritor! Saia da zona de conforto e venha fazer parte desse Canal Literário.

Aproveitem nossa sessão de Capítulos Gratuitos de Nossos Escritores, que disponibilizaram além do que as plataformas de vendas. Capítulos especiais somente no Literato Dente-de-leão.

Corpo Editorial

Daiane Carrasco Chaves

Editora

Daiane Carrasco
Oceanóloga. Escritora.

Instagram: @daiane_carrasco

Autora do Livro Ozzy & Jonny.

Designer e Criação

Sérgio Fernandes
Consultor de T.I. & Terapeuta Corporal.

Instagram: @sehfernandes
Site: sehfernades.com.br

Autor do Livro Zé das Campas.

Designer

Larissa Ciol
Estudante de Engenharia de Alimentos.

Instagram: @larissaciol

Escritores da Edição nº 26 de 2025 – Memórias de infância

Mayara Beani
Jornalista, escritora e produtora cultural

Nascida no Grande ABC em 1987, teve seu primeiro trabalho publicado através do concurso de redação “Tirando de letra” (Ecofuturo e Companhia Suzano, 1999). Presente em diversas coletâneas e concursos de contos e poesias, publicou seu primeiro livro em 2017 – “Qui Qui – sobre livros e pássaros” (Editora Adonis, 2017). Cogestora do grupo “Encontro de Escritores”, promove a literatura na baixada santista através de feiras e oficinas literárias.

Instagram: @mayaramibeani
Autora no trema.com.br e no medium.com

Paulo Câncio
Escritor & Pianista

Instagram: @paulocanciodesouza

Autor dos Livros Trajetória de Aventureiro
& Momentos da Vida (Direto com Autor)

Igor Pires Leon
Escritor

Graduado em História e Pós-Graduado em Cinema, é autor das seguintes obras:
Veludo Azul contos, pela Editora Nauta; As incoerências e insatisfações de um casal desapaixonado; O caso da mulher desaparecida; O toque do despertador pelo Clube de Autores.

editoranauta.com.br
clubedeautores.com.br

Instagram: @igorpiresleonescritor

Gustavo Caperutto da Mota
Autor e editor

Professor de Português, Literatura, Inglês e Redação há 22 anos; tradutor e intérprete; idealizador do CENI – Coletivo de Escrita Nós de Itanhaém; autor e memorialista, responsável pela reedição histórica dos livros A Vila de Itanhaém e Capitanias Paulistas, de Benedicto Calixto, sob o selo de seus serviços editoriais – Noz Editoria; Membro efetivo da Academia Itanhaense de Letras.

Responsável pela Noz Editoria – @nozeditoria Instagram: @mota.gus

Marcelo Elo Almeida
Escritor

Instagram: @marcelo.eloalmeida

Autor do Livro Nhorrã

Karine Souza e Pousas
Escritora, Pedagoga, Comunicóloga e Ghostwriter

Instagram: @karinecsouza