Capítulos Iniciais de Código de Sangue & Honra

Capítulos Iniciais de Código de Sangue & Honra

Observação: O texto apresenta linguagem imprópria para menores de 18 anos. Nele, encontramos palavras de baixo calão, insinuações sexuais e violência.

Índice

Prólogo
Parte I – Svoboda
Primeiro Dia
Segundo Dia
Terceiro Dia
Sinopse Completa
Algumas avaliações e link na Amazon
Sobre a autora

Para os arqueólogos e os religiosos hindus, o épico Mahabharata narra a guerra entre os Pandavas e os Karauvas. Duas famílias com laços de parentescos muito próximos mas, que lutavam pela posse de um reino localizado ao norte e nordeste da atual Índia e onde, hoje é encontrado o deserto do Paquistão – o Vale do Indo. Foi uma guerra sangrenta que exterminou toda população das Sete Cidades Rishi, através de uma arma mortal que produziu uma coluna incandescente de fumaça e fogo semelhante a dez mil sóis que se elevou em seu esplendor. No Mahabharata há a descrição do Raio da Morte, o Mensageiro da Morte. O Raio da Morte, foi aquele que reduziu a cinzas toda a raça dos Vrishnis e dos Andhakas, restando-lhes apenas corpos queimados e, aqueles que sobreviveram, tiveram os cabelos e a unhas caídos por causa da doença que o Raio causou. Essa é a história contada pelos humanos atuais. Humanos que, desde sempre, creem nos ensinamentos ditados nos versos do poema épico, buscando ali, alguma iluminação ou sabedoria para continuarem em suas jornadas.

Em 1922, a cidade de Mohenjo-Daro foi descoberta. As escavações denotaram que algo muito estranho havia acontecido ali. Aliás, algo muito estranho para a suposta época que a cidade existiu. Cerâmica derretida que virou vidro, campos carbonizados e esqueletos com alto grau de radiação foram encontrados ao longo da grande cidade que jazia embaixo da terra. Mas que agora, estava sendo escavada e iria mostrar seus segredos. Até os dias atuais, muitas hipóteses são especuladas para a provável civilização ancestral, dotada de tecnologias avançadas e que viveu no Vale do Indo a aproximadamente quinze mil anos atrás. Umas das hipóteses mais aceitas, foi a de que os versos do Mahabharata, contava a história dos acontecimentos vividos pela civilização que ali jazia. Porém, essa hipótese foi extremamente refutada pela ciência contemporânea. Para eles, era impossível haver armas mortais e radioativas, bem como, máquinas voadoras na mesma época que as civilizações egípcias e mesopotâmicas engatinhavam em seus primórdios.

O que os antigos humanos não sabiam e, para falar a verdade ainda não sabem, foi que uma batalha realmente ocorreu. Mas, essa batalha ocorreu muito tempo antes daquele datado pela ciência contemporânea. Foi uma batalha sem precedentes na superfície da Grande Mãe, tivemos tecnologias avançadas e seres de pelo menos quatro dimensões diferentes, que lutaram entre si para deter, em seu clã, o poder que era averbado apenas para uns. A batalha resultou na aniquilação de toda e qualquer forma de vida em uma grande área mas, também resultou, no celestial que deu vazão as suas sombras e se tornou o Caído caminhando na superfície da Grande Mãe. Muitas religiões se basearam nas histórias contadas para imprimir seu credo e assim, subjugar as grande massas humanas que deram ouvidos aos seus pecaminosos pastores.

Histórias são apenas histórias. Umas são verdadeiras, outras são falsas, no entanto, todas podem ser manipuladas. Algumas podem ser contadas, enquanto que, outras fazem questão de serem esquecidas. Mas a verdadeira história é aquela que poucos sabem ou é aquela que, está na palavra escrita de um e-book em um dispositivo digital, nos livros de prateleiras velhas e empoeiradas, ou ainda, nas paredes de um templo antigo. Só sabemos que de uma forma ou de outra, a verdadeira história sempre vem a tona.

Parte I – Svoboda[1]

Briefing
Local: Pousada Mar Tirreno

Gennaro estava organizando as cadeiras quando os caminhantes começaram a entrar na sala. Eles foram entrando e se acomodando aos poucos, já que faltavam ainda, quinze minutos para o início da reunião de apresentação e explicações sobre as trilhas que seriam trilhadas nos próximos dez dias.

Entre os caminhantes encontrava-se Sarah Salento, 26 anos, cabelos longos e castanhos escuros, olhos grandes e castanhos claros. Uma bela e jovem mulher que se sentia fora dos padrões de beleza vigentes atualmente, por exibir curvas, coxas grossas, quadris largos, seios fartos e uma gordurinha aqui outra acolá. Também encontravam-se: Carmella e Constanza, espanholas oriundas da Catalunia – Espanha; Henry e Steve irmãos vindos da Carolina do Norte – EUA; Maria, Esmeralda e Nora três simpáticas senhoras que moravam no Oporto – Portugal; Chloé e Oliver um casal francês de Toulouse mas que residiam em Paris – França; Giovanni, Lorenzo e Paolo amigos de infância que sempre viajaram juntos pelo mundo, cada um morava numa cidade diferente da Itália.

Sarah sentou-se no canto em contato direto com a parede norte da sala, uns passos a sua frente era possível ver a janela que mostrava o azul celeste e quente daquela manhã em Cagliari, a capital da Sardenha. Os outros caminhantes espalharam-se por toda a sala, os que se conheciam sentaram-se perto um do outro, formando pequenos grupos dentro do grande grupo.

O grupo heterogêneo iria começar uma caminhada de dez dias pelas trilhas de alguns sítios arqueológicos da Sardenha. Não iam caminhar ao todo, alguns trechos seriam feitos com a van da agência de turismo de Gennaro. O propósito da caminhada, era o ritual que seria realizado no sexto dia no Pozzo Saint Cristina. Todos os caminhantes, de uma maneira ou outra estavam integrados e conectados a uma jornada própria, mesmo estando entre amigos, como os italianos e as simpáticas senhoras portuguesas ou o casal francês, o grupo se conectava a uma jornada pessoal. Cada um tinha seu próprio caminho, seus próprios passos a serem conquistados. Os amigos italianos, já haviam viajado e curtido algumas aventuras em diversos locais do planeta, mas Giovanni vinha lutando contra um câncer havia alguns meses e, quando ele soube que o câncer havia estagnado momentaneamente, decidiu que iria viajar com Lorenzo e Paolo como forma de agradecer por sua luta através da autoconexão no ritual da Deusa no Pozzo. O casal francês havia tentando parar de engravidar e decidiram-se por adotar, não sabiam ainda se queriam um filho ou uma filha. Eles estavam caminhando para se unirem e agradecer por sua escolha. As amigas portuguesas Maria e Esmeralda estavam ajudando Nora a sair do luto pela perda de seu marido. Carmella e Constanza estavam em lua de mel, as espanholas, principalmente Carmella, decidiram assumir sua paixão e casaram-se. Henry e Steve estavam homenageando seu pai, que sempre quis conhecer a ilha de seus ancestrais. Sarah comemorava sua liberdade, era a primeira vez que ela estava viajando após quatro anos de sua conquista.

O grupo estava quieto, prestando atenção na apresentação de Gennaro. O guia turístico mostrava quais seriam os trechos de caminhada, bem como, suas distâncias; os trechos que seguiriam pela van, os locais que visitariam, as praias, os sítios arqueológicos, as pousadas onde dormiriam, enfim, apresentava toda a parte técnica aos caminhantes. Gennaro era um italiano típico, homem alto, bonito, com um sorriso cativante e um inglês macarrônico. Era galanteador em suas palavras porém, se mostrou muito sério e profissional com relação a segurança dos caminhantes e quando abordou sobre o ritual para a Deusa. De uma forma geral, Gennaro expressava seu amor pela terra natal e seu profissionalismo para com os caminhantes. Ao longo da palestra ele fez brincadeiras e ainda prometeu que os locais de alimentação seriam os melhores de toda a Itália. Enquanto Gennaro apresentava o que seria a última parte do briefing um vento foi sentido por todos ali presentes, inclusive algumas folhas contendo as anotações de Gennaro e que se encontravam em  cima da mesa, se deslocaram e caíram no chão.  Automaticamente, todos olharam para a porta e para o homem que estava em pé.

— Entre. Você deve ser Rainel. Está um pouco atrasado. Disse Gennaro com seu sorridi italiani no rosto.

— Desculpe-me pelo atraso. Tive um pequeno contratempo.

Rainel olhou procurando um lugar para se sentar enquanto tentava ignorar todos os olhos que olhavam para ele. Era um homem alto, com os cabelos castanhos claros e os olhos cor de mel quase dourado. Era forte e bonito, tinha passadas confiantes e mesmo com o semblante sério por causa de seu atraso, tinha a face serena. Avistou um lugar ao lado de Sarah, e ali mesmo, se ajeitou.

A reunião seguiu como tinha que seguir, dúvidas foram esclarecidas e questões logísticas foram abordadas. Gennaro, com todo seu charme italiano, encerrou a reunião e distribuiu os caminhantes em seus respectivos quartos e ainda os avisou que, eles teriam a tarde e a noite livres mas que a caminhada começaria na manhã seguinte a sete horas em ponto.

I miei amore, não se esqueçam de já estarem com a mochila de ataque contendo os alimentos que vocês vão receber agora, enquanto pegam as chaves dos quartos e pelo menos duas garrafinhas de água… Avvertimento importante: amanhã de manhã nós vamos iniciar a caminhada daqui e todo percurso será a pé. Hoje, se vocês quiserem caminhar através do centro histórico, que por sinal é bem perto daqui, cerca de um quilometro de distância em direção ao Bastione Saint Remy, cada um de vocês terão um mapa contendo todas as informações necessárias para caminhar e conhecer o centro histórico. E caso aconteça alguma emergência é só me chamar pelo meu celular.

◆◆◆

Sarah entrou em seu quarto segurando sua mochila no braço e arrastando sua mala. Jogou tudo no meio do pequeno espaço existente entre a cama e a poltrona. Levantou a cabeça com um suspiro profundo e ao abrir os olhos, se sentiu plena constatando que da janela era possível visualizar um pedacinho da cidade com suas construções e um pouco mais adiante estava o mar. O dia estava lindo, o azul celeste estava intenso e quente, não era um dia para permanecer trancada no quarto da pousada, era um dia para bater perna e encontrar pequenos lugares pitorescos e escondidos nos cantinhos do centro histórico. Era a primeira vez, depois de quatro anos, que Sarah pisava em solo europeu e, ela queria curtir cada momento da viagem. Queria ver, respirar e admirar o velho continente da maneira que ela sempre desejou, caminhando tranquilamente por seu solo sem se preocupar com algum tipo de ataque que poderia sofrer. Seus devaneios foram interrompidos por um barulho muito forte no corredor que dava acesso a todos os quartos. E, agora era um grito que podia ser escutado. Sarah sentiu um arrepio subir por suas costas ao mesmo tempo que sua temperatura corporal caiu deixando-a gelada, quase paralisada. Se perguntou se era cedo demais para parar de se preocupar mas, imbuída de coragem, se virou e abriu a porta para ver o que estava acontecendo. A cena foi a mais confusa possível, a senhora Maria estava sendo amparada nos braços de Rainel e sua mala parecia que tinha explodido, pois suas roupas estavam espalhadas por todos os lados.

— Meu filho obrigada por me segurar. 

Rainel estava pálido sem saber o que fazer, se continuava segurando a Sra. Maria ou se ajudava a Sra. Esmeralda a recolher as roupas.

— Não foi nada. Que bom que a senhora não se machucou. Eu vou ajudar essa outra anciã a recolher as roupas.

— Não precisa ajudar não. Continue me segurando. É bom demais ter os braços de rapaz formoso como você em volta do meu corpinho novamente. Ah!! menino, se eu fosse mais nova eu ia pensar no seu caso… ôôô se ia!!! Ia querer ficar escutando sua voz rouca o dia inteiro também.

— Para de bobagens Maria. E vem logo recolher suas roupas. Me responde para que trazer tantas roupas assim? Nora corre aqui, vem ver a situação no corredor.

Uma porta se abriu atrás da situação, era Oliver, que assim como Sarah, olhava a situação tentando entender o que havia acontecido.

— Vocês estão precisando de ajuda? 

Sarah saiu de seu quarto e foi ajudar a Sra. Esmeralda com as roupas.

— A senhora está bem?

— Mas menina, olhe a cara da Maria. Ela está se divertindo com a situação e ainda tirando uma casquinha do rapaz bonitão. Já vi que a Maria vai aprontar todas nesses dias.

— Maria o que você aprontou dessa vez? 

Agora era a vez da Sra. Nora mirar os olhos espevitados de Maria e perceber que ela ria com a situação.

— Ah! Nora, não me incomode. Você não percebe que foi os desígnios do Universo fez com que eu trouxesse muitas roupas para a mala explodir e eu poder abraçar um rapaz formoso desse? Não corta meu barato.

Rainel ainda continuava pálido, talvez nem respirasse, enquanto mantinha a Sra. Maria nos braços e ao mesmo tempo que olhava a situação. As Sras. Esmeralda e Nora começaram a rir, gargalhar para falar a verdade, Oliver também não se conteve e Sarah abaixou a cabeça e colocou as mãos nos joelhos para expressar seu sorriso de alívio. E assim a cena se fez.

— Obrigada meu rapaz formoso e gostoso. Mas você poderia, por favor, me levar no colo para dentro do quarto. Sabe como é, né! Eu sou uma senhora e ainda estou meio assustadinha.

Os olhos de Rainel pareciam ter saído de órbita, ele ainda continuava parado sem ação.

— Vamos logo viking, a senhora quer que você a carregue para dentro. 

Oliver foi sarcástico e ainda deu um tapinha no braço de Rainel.

Rainel levou  a Sra. Maria no colo  ao interior de sua habitação, enquanto Oliver levava sua mala. Sarah, por sua vez, ficou encostada na parede ao lado da Sra. Esmeralda, que pacientemente aguardava os homens saírem do interior do quarto para poder entrar.

— Bom, vou voltar para meu quarto. A senhora está bem mesmo? 

— Estou sim, minha jovem. A Maria que é uma velha assanhada.

— Esmeralda eu escutei. E não sou assanhada não, só gosto das coisas boas da vida e, os braços fortes do rapaz é uma daquelas coisas boa da vida. Entra aqui e me ajude.

Sarah riu novamente, mas dessa vez deixou o riso fácil ser escutado pelo corredor. Oliver e Rainel saíram do quarto, ambos conversavam e riam da situação, mas Oliver foi mais espirituoso.

— Eita viking, arrebatando os corações das senhoras do grupo.

— Foi totalmente inesperado. Eu só a segurei para não cair e se machucar, então fiquei sem ação com ela me apalpando. Pensando bem, a situação foi cômica mesmo. Anciãs humanas são muito originais, elas não precisam mais de aprovação social, tenho certeza de que a Sra. Maria irá contar essa história para todos os netos e netas e toda a vizinhança. Até mais Oliver.

Rainel seguiu caminhando em direção ao final do corredor, seu quarto era o último daquele andar. Ao passar por Sarah, ele inalou um aroma doce e cítrico ao mesmo tempo que captou a vibração de uma guerreira, sentiu seu coração acelerar. Olhou brevemente para a mulher que também adentrava em seu quarto e liberou um leve sorriso.

◆◆◆

Sarah estava sentada nos bancos da Catedralle di Santa Maria Assunta e Santa Cecilia observando o esplendor daquela construção do século XIII deC. Ela caminhou por todo o centro histórico, se alimentou de pane carasau coberto com iguarias acompanhado de um capuccino em uma tradicional cafeteria pequena e de esquina. Agora, sentada nos bancos da Catedral, finalmente conseguiu relaxar e deixar o medo de lado, para sentir o momento e os dias que se propôs a viver na Sardenha. Fechou os olhos para ficar mais confortável quando sentiu o ar ao seu redor se aquecer, era como se uma brisa morna banhasse sua pele. Ficou ali aconchegada, tendo a certeza de ter acertado em sua decisão ao viajar para a Europa depois de quatro anos.

Ela estava em paz…

Ao abrir os olhos, Sarah levou um susto que a fez pular para o lado e soltar um grito. Rainel estava sentado ao seu lado, observando-a.

— Você é louco? Quase me matou de susto.

— Desculpe-me. Eu não queria te assustar e também não queria atrapalhar seu momento de contemplação. Então fiquei aqui quietinho te observando, esperando você abrir os olhos. Você parecia liberta.

— Não faça mais isso não.

— Desculpe-me. Eu realmente não quis te assustar.

— Tudo bem. Dessa vez eu deixo passar… A Catedral é bonita né.

Afirmou Sarah, elevando a cabeça para mirar os detalhes entalhados ao longo da nave principal da catedral. Rainel também olhava para cima com o olhar da observação, enquanto minuciava a construção antiga.

— É bonita sim. É uma pena que as pessoas que a construíram não tinham fé, elas ostentavam em nome da fé. Essa é a maior armadilha do ser humano, eles se corrompem perante o poder e usam a fé para seguir corrompendo.

— Ah! Sim. Faz muito tempo que há ostentação em nome da fé. Os humanos viram que a fé pode enriquecê-los deslavadamente. Mas mesmo assim, eles sempre constroem templos bonitos e fortes, que sobrevivem ao tempo.

Rainel assentiu em concordância.

— Me diz, você tem fé?

— Boa pergunta. Eu poderia te dizer que minha fé está expressa pelo meu eu, pela paz que sinto, pela energia emanada. Eu não tenho fé na religião dos Homens, mas eu tenho fé na pureza do coração. Que perguntinha difícil de se responder. Possui um resposta muito complexa e ambígua, talvez não seja a verdadeira resposta, mas talvez, a resposta seja a mais verdadeira possível.

— É eu sei. Aliás eu sou Rainel e iremos caminhar juntos. Prazer em te conhecer. 

Rainel estendeu a mão para Sarah e sinal de cumprimento.

— Muito prazer. Eu sou Sarah e vai ser bom caminharmos juntos. 

Sarah retribuiu o cumprimento.

— Você já está voltando para a pousada?

— Sim. Vou descansar. Amanhã caminharemos todo o percurso. Quero estar descansada.

— Posso ir caminhando contigo? Também estou retornando.

— Claro. Vamos descansar, a partir de amanhã teremos uma jornada de conexão com a Deusa, lugares históricos e ancestrais para visitar e sentir suas energias. Vem… Vamos…


[1] Liberdade no idioma russo | Voltar a Parte I

Primeiro Dia   

Bastione Saint Remy – Anfiteatro Romano de Cagliari – Parco di Monteclaro – Parco di San Michele – Necropoli di Tuvixeddu – Caminhada pelo centro histórico
Distância: 11km a pé + caminhada livre

 O dia já estava quente às sete horas da manhã quando todos os caminhantes se reuniram na recepção da pousada.

Buongiorno carissimi, como estava o café da manhã? Eu sei que Constantina faz os melhores pães que vocês irão saborear aqui em Cagliari. Bom, já que todos estão aqui eu vou iniciar as recomendações do dia. Pode ser?

A concordância veio quase que em uníssono.

— Que bom. Hoje nós vamos caminhar onze quilomêtros. Iremos passar por quatro sítios arqueológicos que possui grande importância para a civilização ancestral que cultuava a Deusa e que vivia aqui antes da chegada dos romanos, para falar a verdade, antes da chegada dos fenícios. Como vocês podem ver no roteiro que minha assistente Francesca está distribuindo, nós iremos percorrer os sítios arqueológicos até às treze horas, onde iremos parar para almoçar na cantina de minha querida Henriqueta. Iremos almoçar um alimento típico da Sardenha, os Culurgiones saborosíssimos e feitos a mão, de sobremesa teremos as Seadas e para beber teremos água, sucos e, claro, muito vinho da casa. Depois vocês estarão livres para caminharem no centro histórico de Cagliari. Há diversos museus, bem como, pequenos sítios arqueológicos romanos, a Catedral e muitas lojas para vocês comprarem os souvenirs. Todos entenderam até aqui?

Houve outra concordância em uníssono.

— Nossa primeira parada será no Bastione Saint Remy. Porém para chegarmos lá, nós iremos por um caminho que é tombado pelo patrimônio histórico da Unesco. Vocês poderão ver construções que datam de 342 aeC até 1867 deC, é um belíssimo caminho. Vocês estão prontos para iniciarmos a caminhada? Então vamos iniciá—la.

Gennaro se virou e iniciou a caminhada, sendo seguido pelos catorze caminhantes. Ele caminhava devagar e marcou o ritmo através das passadas das três anciãs do grupo. Com seu sorridi italiani, Gennaro foi por todo o caminho explicando sobre as construções, arquitetos e sobre as populações que viveram e viviam ali.

Os caminhantes se sentiam leves, suas passadas eram completas ao mesmo tempo que seus olhos eram observadores. E, essa foi a frequência que os caminhantes vibraram por todo o percurso até a primeira parada, Bastione Saint Remy, mas também, foi a frequência que se seguiu até o Anfiteatro Romano. Os catorze caminhantes estavam vivendo cada conhecimento repassado por Gennaro naquele primeiro momento da Jornada da Deusa, nome que o próprio Gennaro dizia ser.

 ◆◆◆

Sarah estava encostada na cerca da passarela admirando a construção do século II aeC. O anfiteatro romano era uma construção arqueológica incrível, ele foi totalmente cavado e construído na rocha.

— Que bela construção.

Sarah se virou para a origem daquela voz rouca que ela já sabia ser de Rainel.

— É verdade. O mais impressionante é que ainda está de pé. Eu fico imaginando que mesmo assim todo desgastado, o anfiteatro é lindo, quando ele estava íntegro deveria ser esplendoroso. E quais foram as peças apresentadas aqui? A humanidade deveria aprender com seus acertos para não cometer os mesmos erros como vemos hoje em dia.

— Concordo contigo. Você quer saber a verdadeira história do anfiteatro?

Nesse momento, Henry e Steven também se aproximaram de Sarah e Rainel.

— Eu quero. Disse Henry.

— Eu também. Concordou Sarah.

— Tudo bem. Os romanos reaproveitaram uma construção já existente. Aqui era um altar sagrado para citações meditativas à Deusa, nesse caso, a Grande Mãe. A civilização que vivia aqui, usava o altar para apresentar pequenas passagens do culto à Deusa. Os romanos usurparam o altar quando ainda eram uma república. Em 450 aeC, um senador romano que veio viver entre a população local, decretou que não se poderia continuar as citações meditativas e que a partir daquele momento, somente as peças romanas poderiam ser apresentadas. Roma ainda era uma república, mas o pensamento patrifocal já estava muito impregnado em seus habitantes.

— Como você sabe disso? Questionou Henry.

— Digamos que eu fiz o dever de casa e que os historiadores não acreditam na verdadeira história. Eles preferem aquilo que os romanos escreveram e dataram.

Sem que percebessem, Gennaro estava prestando atenção na conversa dos caminhantes. Ele tinha um olhar sério em direção a Rainel.

◆◆◆

O almoço na cantina de Henriqueta estava delicioso. Todos os caminhantes se sentaram na mesma mesa e a conversa seguiu fluída. Cada um queria saber um pouquinho mais do outro, as razões por estarem fazendo a Jornada da Deusa, como viviam em seus países de origem, se eram casados, enfim, naquele almoço o laço da amizade existente entre caminhantes foi selado no grupo.

Segundo Dia

Área arqueológica di Nora
Distância: 38 Km de van

Sarah se espantou ao abrir a porta de seu quarto e ver Rainel. Ela vestia apenas uma camiseta um pouco mais longa que o normal e estava descansando após o segundo dia da jornada. Gennaro havia levado os caminhantes trinta e oito quilomêtros ao sul de Cagliari, mais precisamente em Nora para conhecer a área arqueológica di Nora, um complexo de ruínas fundadas pelos fenícios no século VIII aeC e que teve os romanos como seus últimos habitantes. Um belo passeio para se conhecer as diversas civilizações que ocuparam a cidade que hoje são ruínas turísticas. A equipe de Gennaro também proporcionou um delicioso almoço no estilo piquenique na praia, permitindo que os caminhantes curtissem um belo dia de praia também. Por volta das dezesseis horas, os caminhantes seguiram para Carbonia, onde passariam a noite e descansariam para a caminhada do dia seguinte.

— Oi Sarah. Será que você pode me ajudar? Eu preciso de uma medicina para queimaduras solares. Creio que não usei a medicina de proteção o suficiente.

— Oi Rainel. Você não usou protetor solar? Você tem se hidratado também? A Sardenha é quente e seca, você precisa se proteger. Vem entra, vou passar um creme hidratante nos locais mais queimados.

— Obrigado Sarah. Estou sentindo muito a gravidade, minha pele e meu corpo não estão tão acostumados com essas condições.

Sarah fechou a porta e se dirigiu para o banheiro, ela precisava se vestir adequadamente para permanecer com Rainel em seu quarto. Não que ela se importasse com as roupas que passou a usar em seu dia-a-dia mas, ela não conhecia Rainel e, por isso, não saberia dizer se ele entenderia o fato dela estar usando apenas uma camiseta.

— Pronto, peguei o hidratante. Me diz onde você sente mais ardência.

— Aqui nas costas, nessa região dos braços e no meu rosto.

— Tire sua camiseta e se vire de costas pra mim. O geladinho do creme vai aliviar o calor de sua pele.

Enquanto Rainel retirava a camiseta, Sarah teve a mesma sensação que sentiu quando estava na catedral de Cagliari, era como se uma brisa morna percorresse seu quarto, um aroma amadeirado invadiu suas narinas e uma sensação de bem estar dominou todo seu corpo.

— Que saúde, heim!!! Agora entendo a Sra. Maria!!! 

— Nem me fala, ela sempre vem dar um beijo de bom dia na minha bochecha e aperta meus músculos glúteos. A Sra. Maria me deixa envergonhado. As anciãs humanas são sempre assim?

— Vou rir, né! Ela é uma senhora. Deve estar se divertindo contigo ao perceber que te deixa sem jeito. Vire-se de frente, preciso passar em seu rosto. Só abaixe-se um pouco, ou melhor, sente-se aqui na cadeira para eu espalhar melhor.

— Realmente a sensação de alívio é boa. Estou me sentindo mais fresquinho, parece geladinho.

— Me dê seus braços. Você precisa comprar um protetor mais forte. Vou te dar um dos meus, amanhã nós vamos comprar um mais adequado para seu tipo de pele.

— O mais interessante é que estou viajando a trabalho e já estive em vários climas ao redor do planeta mas, é a primeira vez que sinto os efeitos da gravidade.

— Pronto. Agora muita água para você conseguir caminhar amanhã. Gravidade não né, você quer dizer clima quente e seco.

— Obrigado mesmo. Te devo uma. E agora, como vou descansar? Como você está descansando?

— Fica sem camiseta enquanto sua pele absorve o hidratante. E eu descanso colocando as pernas pra cima e lendo um livro. Vou descansar até o início da noite depois, eu vou jantar.

— Posso ficar aqui contigo?

— Pode.

— O que você está lendo?

— Um romance incrível. Eu costumo carregar meu kindle, então vou lendo os livros conforme vou baixando. Nesse momento estou lendo Sangre de Diosa (terceiro romance da autora) um romance fantasia bem bacana pois envolve rock e eu sou rockeira.

— O que é rock?

— Rainel de onde você vem? Como assim não sabe o que é rock? Eu só escuto rock, eu vivo rock eu amo rock.

— Eu sou o Primeiro Capitão da Guarda Imperial de Elite, comando o pelotão de elite da Guarda e, digamos que, não tenho tanto contato externo. Eu respondo diretamente a General e, por isso, minha vida se resume na preparação física e psicológica do meu pelotão. Temos sempre que estar prontos para algum entrave, alguma batalha. Somos nós que resolvemos as ‘encrencas’ mais graves e não as deixamos se transformar em batalhas mesmo. E você não me respondeu o que é rock.

Sarah, que estava se acomodando no chão para se deitar e levantar suas pernas, parou para encarar Rainel. Ela tinha o olhar da interrogação.

— Então quer dizer que você não está de férias e, por isso, não está sabendo o que fazer? E, como nunca ouvi falar de vocês? É, meu pai conseguiu manter alguns segredos comigo. E, rock é um gênero musical, são canções rebeldes, agitadas em que a melodia condiz com as palavras cantadas. Devo te dizer que nem todo rock é bom, mas a maioria é excelente. Que tipo de canção você escuta?

— Todos nós escutamos as canções do Universo, é bem parecida com música clássica, há muito instrumental e algumas lembram um rezo. E, não, eu não estou de férias. Eu estou trabalhando. De tempos em tempos, o Comando Supremo faz um levantamento sobre o comportamento humano. E eu fui designado para fazer um relatório sobre a fé humana. Lembra que te perguntei sobre sua fé quando nos encontramos na catedral? [Sarah fez que sim com a cabeça] Então, eu fui no templo para analisar as pessoas que estavam lá e acabei te encontrando.

Rainel não sabia dizer os motivos de ter ido na catedral, ele simplesmente sabia que precisava ir até lá. Era como se algo sussurrava em seus ouvidos. E mesmo antes dele se sentar ao lado de Sarah, ele ficou observando e analisando os pequenos gestos, a respiração, as fotos que fez, enfim, vendo seu comportamento perante a energia que percorria a nave central da Catedral.

— Vem Rainel, deite-se aqui ao meu lado. Vem descansar e ‘papear’ comigo. É bom conversar, distrai a mente e relaxa o corpo.

Sarah foi se aprumando, ela se deitou no chão em cima do tapete fibroso que estava disposto aos pés da cama e deixou um pedaço para que Rainel colocasse suas costas ali também. Elevou suas pernas, colocando-as dobradas sobre a cama e, por fim, transformou uma das almofadas em travesseiro para deitar sua cabeça. Rainel a imitou em todos os aspectos, inclusive na posição ereta da coluna mas com uma almofada como travesseiro.

— Então é assim que você descansa?

— É assim que me deito para descansar as pernas e a coluna e ficar lendo. Daí descanso tudo, corpo e mente. Mas me diz, você disse que já viajou para alguns locais. Como é a fé dessa humanidade doida?

Deitado de barriga pra cima e com as pernas levantadas e apoiadas na borda da cama, Rainel pode sentir seu corpo relaxar e os efeitos do alívio já atuando em sua pele.

— Digamos que a fé é somente uma das partes do relatórios que fazemos de tempos em tempos. Eu estive em vários locais do planeta analisando a fé de machos e fêmeas humanas e, vou te dizer que está tudo bem dissimulado. Nas regiões da fé do profeta, eu vi de tudo um pouco, menos fé. Posso te dizer que fé é algo que não há naqueles que seguem as leis do profeta. Eu vi muito fanatismo em nome de algo que está parado no tempo, algo que tem uma estagnação energética imensa. Também estive acompanhando essa modalidade que vive sob as leis do evangelho cristão. E vou te falar o mesmo, vi muito fanatismo mas acrescento que vi muita manipulação também, principalmente com relação a aquisição monetária, vi muita manipulação monetária… é isso… manipulação monetária e, isso está reduzindo a frequência vibracional absurdamente. Eles estão seguindo o mesmo caminho dos filhos de Davi, muito pragmatismo monetário e quase nenhuma fé.

— Mas você chegou a ver a verdadeira fé em algum ponto de sua pesquisa?

— Sim. Vi sim. Me ajude a me arrumar aqui no tapete, estou com metade do corpo no tapete e metade no chão. Sarah se levantou e pediu para Rainel sustentar seu corpo com os cotovelos. Ela puxou o tapete totalmente para debaixo do grande e musculoso tronco de Rainel e estendeu a colcha da cama no chão para ela se deitar.

— Obrigada Sarah.

— De nada Rainel. Mas me diz sobre o local que você encontrou a tal da ‘fé’.

— Ah! Sim! Eu encontrei fé diretamente nas pessoas. Foi um ponto bem interessante, pois antes de iniciar minha pesquisa, eu li alguns relatórios ancestrais e, vou te dizer que eles já relatavam a ‘fé individual’. Eu encontrei a ‘fé individual’ nas pessoas que precisaram superar algum acontecimento em suas vidas. Encontrei nas crianças também. Mas dois pontos me chamou muita  atenção. O primeiro deles foi nas pessoas que caminhavam. Sabe aquelas pessoas que fazem trilhas, que caminham longas distâncias [Sarah fez que sim com a cabeça], então… há uma fé nelas que ainda não consegui descrever. O segundo ponto foi nas fêmeas. Eu li em relatórios ancestrais que as fêmeas humanas sempre tiveram mais fé que os machos. Li também, que a fé das fêmeas…

— Rainel, nós mulheres sabemos que somos fêmeas, mas eu prefiro que você nos chame de mulheres. 

Sarah foi um pouco ríspida.

— Desculpe-me Sarah, mas é apenas uma expressão da fala, em nenhum momento quis te ofender ou ofender qualquer fêmea… mulher. Quis dizer, mulher.

— Tudo bem. Continue. Está interessante.

— Então… nesses relatórios as fêm…mulheres estavam sendo muito subjugadas pelos homens mas, mesmo assim, elas mantiveram a fé que pertence a elas. Uma fé íntima da alma que permite a vida humana no planeta.

— Você quer dizer sobre o fato das mulheres poderem engravidar e darem a luz a outro ser vivo.

— Exatamente. Eu fiz várias trilhas e caminhadas. Santiago de Compostella, Trilha Inca, Yosemite trakking, trilhas nepalesas, enfim, fiz várias e em todas elas eu consegui captar a frequência vibracional da fé, mais especificamente, da ‘fé individual’. Mas essa outra fé, a  fé feminina está crescendo muito. Eu captei essa vibração como uma crescente no inconsciente feminino.

— Então foi assim que você veio parar aqui? Certo?!?!

— Sim e sim. Uma caminhante que encontrei na trilha Inca, me falou sobre a Jornada da Deusa que ocorre a cada dezoito anos na Sardenha. Eu até tinha me esquecido da primeira civilização que vivia aqui…

— Como assim tinha se esquecido? Quantos anos você têm? Trinta? Trinta e dois? É impossível você saber ou ter conhecido a primeira civilização?

Um frio percorreu a espinha de Rainel, ele sentiu seu coração parar e sua respiração falhar. A fêmea Sarah era muito esperta e captava todas as palavras, mais ainda, conseguia ligar os sentidos das palavras na conversa que eles estavam tendo.

– Nossa!!!! Você não perde uma. Eu li muitos relatórios ancestrais.

Rainel conseguiu contornar a situação.

— Você concorda comigo que seu trabalho, ou melhor, sua pesquisa é um tanto quanto estranha. Você me diz que está pesquisando a fé humana, daí me relata sobre a cultura Nurágica da Sardenha. Quem são seus chefes?

— É, concordo contigo. Acho que falei demais. Meus chefes são aqueles que mantém a ordem no planeta.

— Mas meu pai nunca falou sobre esse tal Comando Supremo. Por que ele nunca me contou?

— Quem é seu pai?

— Ah!! deixa pra lá. Você fica com seus segredos e eu fico com os meus.

— Bom, então vou concluir que vim caminhar a Jornada da Deusa para entender a ‘fé individual’ e também essa crescente que vem ocorrendo com as mulheres. No passado, as mulheres tinham voz ativa por ser quem traziam a vida ao planeta. É muito bom ver que essa frequência está crescendo novamente.

Sarah deu um bocejo longo e preguiçoso antes de responder.

— Concordo contigo. Eu trabalho com o feminino sagrado e vejo diariamente que as mulheres estão se despertando. Parece que o inconsciente feminino ficou hibernando por milênios e agora está se despertando novamente.

O silêncio se fez presente no quarto de Sarah. Aquela sensação morna de conforto estava impregnada em todos os cantos do quarto, tanto Sarah quanto Rainel se entregaram para a sensação de bem estar e adormeceram. Dormiram um sono tranquilo e revitalizador.

◆◆◆

Rainel abriu os olhos e viu que já era noite. Ele sentiu algo aconchegado em seu braço esquerdo e era gostoso e era macio. Algo leve também abraçava seu peito, era um braço em um abraço sutil e vigoroso.  Com um suspiro lento e profundo ele se aconchegou, também, naquele corpo acetinado que tinha um aroma doce e cítrico. Se aconchegou no braço do abraço que envolvia seu tórax…

Que sensação boa…

Espere um pouco…

— Putz!!!

Rainel levantou num pulo, se enroscou no braço de Sarah e acabou caindo por cima dela. Sarah, por sua vez, não entendeu nada. Ela mal tinha retornado para sua sua consciência e viu que Rainel tentava se desenroscar para sair de cima dela. E, os dois se embolaram.

— Sarah me desculpe, eu não fiz nada. Acabei adormecendo… E você também… Isso não devia ter acontecido… Não posso me aproximar das fêmeas humanas…

Sarah ainda tentava entender a situação. Ela estava leve. Parecia flutuar no etéreo. Tinha o esboço de um sorriso no rosto. Era como se um abraço morno a mantivesse enrolada dentro dele.

— Te acalma Rainel. O que você falou? Eu sei que não aconteceu nada. Nós apenas dormimos. Posso te dizer que estou renovada. São dezenove hora e trinta minutos, putz!!  Eu aceitei o convite do Henry para jantar. Marcamos às vinte horas. Daqui a pouco ele vai bater aqui. Acho melhor você ir. Me diz como está sua pele. Melhorou? 

Dizia Sarah enquanto se alongava, bocejava e olhava no relógio.

O coração de Rainel parou por duas batidas.

— Fiquei confuso. Por um momento não sabia onde estava. Estou me sentindo muito bem e minha pele está ótima. Obrigada por tudo. Tenha um bom jantar. 

Rainel falava e vestia sua camiseta enquanto se encaminhava para a porta, um pouco atordoado. [O que aconteceu?]

 ◆◆◆

Rainel encontrava-se encostado em uma mureta. Ele estava camuflado pela noite em sua vigília. Desde que saiu do quarto de Sarah, ele não conseguia parar de pensar nela, seu aroma havia impregnado suas narinas e, só por isso, conseguiu farejá-la até a cafeteria em que ela e Henry lanchavam e sorriam e conversam e interagiam. Seus olhos estavam vítreos na cena que se mostrava do outro lado da rua. Ele não entendia o que estava acontecendo.

Ele queria Sarah…

Terceiro Dia

Monte Sirai
Distância: 5,3 Km a pé + 13,8Km Spaggia Portopaglietto de van

Sentados nas pedras da elevação nos limites da praia, apreciando a paisagem, Rainel e Sarah estavam em silêncio absoluto, escutando o som do vento batendo na rocha crua e desgastada. Escutavam também, o bater das asas das aves marinhas que plainavam por ali.  E ainda, havia um mar azul e transparente e as pessoas em seus momentos regados a endorfinas.

Sarah deu um suspiro leve e longo, porém, intenso e pleno.

— Aonde sua mente foi?

— Ah!! Rainel, minha mente sempre vai para minha liberdade.

— Você é livre?

— Agora eu sou.

Sarah respondeu já se levantando para seguir a trilha que chegava em Spaggia di Portopaglietto, uma pequena praia cercada por casas, treze quilômetros a oeste de monte Sirai.

Rainel não se contentou com a resposta de Sarah, ele já estava intrigado por não conseguir tirar as imagens de fêmea humana de sua mente. Desde que eles adormeceram juntos na tarde do dia anterior, que Rainel farejava o aroma de Sarah por todos os lados.

— O que é ser livre para você? Me diz.

Sarah se virou e olhou aqueles olhos dourados intensos, viu a busca que aquele homem fazia dentro de sua própria curiosidade.

— Ok! Rainel vou te contar uma pequena parte da minha história. É uma parte que pouquíssimas pessoas sabem. A história da minha liberdade. Vem vamos caminhar até a praia, estou com sede.

Rainel ficou extremamente satisfeito pela confiança de Sarah, sabia que mais um pouquinho dela seria explicitado a ele. Seu coração pareceu perder algumas batidas [de novo] e sua respiração pareceu parar por breves segundos.

 ◆◆◆

Já sentados na areia, Sarah respirou e olhou para a face de criança ansiosa que Rainel tinha. Ela riu internamente.

— Tá! Tá! Tá! Eu vou te contar. Tire esses olhos brilhantes da minha frente.

— Eu consegui. Serei muito grato por sua partilha.

Sarah foi vencida…

— Então Rainel, eu tive que lutar pela minha liberdade. Literalmente lutar, sair na porrada mesmo. Sou a Sarah Brejnevna, filha de Brejn Loghdkov. Nem posso falar o nome de meu pai muito alto pois, ele é o BMaior. Isso mesmo, o BMaior, meu pai gosta de ser chamado assim. [Rainel enrugou suas sobrancelhas denotando interrogação] Eu sou a filha mais velha do BMaior, o chefe de todos, o chefe das coisas ilícitas de todo o planeta. Se Dubai existe é em anuência de meu avô, o BCapo, não só Dubai, todo os Emirados Árabes Unidos. A China deve obediência a meu pai, inclusive todos os passos da capitalização chinesa foi elaborada pela equipe da Sem’ya chinesa. A Coréia do Norte é o território em que se guardam os documentos ilícitos da Sem’ya Universal. Quem você acha que autorizou a queda do muro de Berlim? Se a guerra da Síria está durando tanto tempo é devido meu pai ainda estar lucrando com ela. O BMaior é aquele que os teóricos da conspiração elegem como o presidente dos Illuminatti, aquele que comanda o Conselho dos Nove. Pois é Rainel, essa sou eu, a princesa da Sem’ya Universal. Eu nem sei a razão de estar te contando isso.

Sarah abaixou a cabeça e respirou como se estivesse sentindo dor.

–  Deixa pra lá. Desculpe-me por ser tão invasivo. Mas você há de convir comigo, que é difícil de acreditar em quem você se diz ser, pois imagino que você deveria estar cercada de sicários e seguranças, com uma vida luxuosa e vivendo entre as outras mulheres, irmãs e esposas que costumam adornar esse tipo de macho… homem. Esse tipo de homem.

Um lapso de honestidade passou pelos pensamentos de Rainel. Ele deveria contar à Sarah quem ele realmente era? Essa era a pergunta que permeava sua mente.

Sarah soltou uma gargalhada que ecoou ao longe e fazendo com que as pessoas se virassem para saber a origem.

— Aí é que está. Eu sou livre agora que não sou mais a filha e a irmã, não cheguei a me tornar esposa. Eu não me permitiria viver naquela vida. [Suspiros]… Eu fui educada na Inglaterra, na Queen’s College, nesse ponto meu pai sempre foi bem progressista ao afirmar que as mulheres da Sem’ya também precisam receber a educação adequada com o status que possuem. Mas antes de ir para Londres, no meu aniversário de seis anos, eu fui apresentada ao meu futuro marido.

— O quê? Como assim? Vocês já sabiam que eram Geminas?

— Que? Geminas…? O que é isso? Bom… Meu pai já havia me prometido em casamento para o filho de um dos Nove da Sem’ya, assim selaria uma sociedade. No meu aniversário de seis anos, eu conheci Letúrcio, vulgo meu noivo. Nós não nos vimos até eu ter catorze anos. Eu estudava no Queen’s College, e sempre fui uma menina meio gordinha para os padrões. Bom, sou gordinha para os padrões até hoje…

— Eu não acho você gordinha. Eu acho você linda pra caramba e muito saudável. Sua aura vibra força. Costumo ver se a fêm…  mulher é linda pela aura dela e, vou te dizer que sua me encanta. 

Rainel ficou com as bochechas vermelhas e o coração acelerado e não entendeu a razão.

— Ah! Tá! Não vou nem comentar sobre seu elogio. Só vou te perguntar se você quer saber sobre minha liberdade ou não?

— Quero sim. Pode continuar. Eu também só não entendi o motivo de você se achar gordinha. O que você chama de gordinha, eu chamo de linda.

— Você é mesmo impossível. Isso sim é xaveco… [Sarah riu] Então, quando eu tinha catorze anos o Letúrcio foi me visitar em Londres. Para falar a verdade a família dele foi toda para Londres e ele resolveu ir me visitar. O pai dele é o dono de um pedaço do continente asiático e um dos Nove, ele serve ao meu pai e é o segundo na linha de comando, nós o chamamos de Baslyk. Eu fiquei toda empolgada, mesmo com as meninas que estudavam lá comigo me falando que não entendiam como um adolescente tão lindo como ele, namorava uma gordinha quieta e estudiosa como eu. Claro, que elas não sabiam quem era a Sem’ya e como Letúrcio e eu estávamos envolvidos. Isso sem contar que mesmo tendo só dezesseis anos, o Letúrcio já era muito encorpado e bonito aliás, ele continua bonito, realmente é um homem bonito. Bom, eu não me arrumei muito, não queria parecer que estava ansiosa para conhecer “meu noivo” [Sarah fez aspas com os dedos], queria passar uma maturidade familiar e, assim, continuar seguindo o Código da Sem’ya. Então eu me vesti bem simples, com tênis-jeans-camiseta, bem casual mesmo. Afinal de contas nós havíamos programado ir ao cinema, um programa bem adolescente londrino. As coisas começaram a mostrar sua verdadeira face quando eu entrei no carro do Letúrcio. Ele é o príncipe turcomeno, quer dizer, não é o filho do ditador, ele é filho do cara que manda no ditador. Você consegue entender o tamanho do poder que a Sem’ya tem em mãos? [Rainel abriu os olhos em constatação] Ao entrar no carro do Letúrcio, ao invés dele se apresentar ou tentar conversar ou ser apenas gentil, ele simplesmente me perguntou se não me avisaram de iríamos sair oficialmente. Quando eu disse que me avisaram e que eu sabia de nosso compromisso, ele me perguntou o motivo para eu não ter me arrumado e estar usando roupas inadequadas com minha posição social. Eu não acreditei que escutei essas palavras antes mesmo de um cumprimento de boas vinda da parte dele. Na hora eu não fiz nada, apenas disse que iríamos ao cinema e não precisava me arrumar pois o cinema ficava numa galeria perto da escola. Sabe o que ele me falou? [Rainel fez que não com a cabeça] Que eu estava pensando demais, que parecia as mulheres fúteis do ocidente e que quando nos casássemos eu viveria conforme as leis do Código. Eu não estava acreditando que um adolescente de dezesseis anos já tinha aquela mentalidade machista que eu via tanto no meu pai, no meu avô, enfim, nos homens da Sem’ya. Nós ficamos em silêncio por todo o percurso até o cinema, não deve ter durado dez minutos, para falar a verdade, eu preferia ter ido caminhando. Não falamos nenhuma palavra. Nada. Foi silêncio absoluto. Mas o pior ainda estava por vir…

— Estou até com medo de como essa história vai terminar.

— Verás… Quando chegamos no cinema, eu queria muito ver o filme A Origem com o Leonardo DiCaprio enquanto ele queria ver o Homem de Ferro II. Essas foram nossas primeiras palavras: vamos assistir A Origem? Não, nós vamos assistir o Homem de Ferro. Daí eu tive a brilhante ideia de tirar no par-ou-ímpar qual filme iríamos assistir. Eu ganhei e fiz o que qualquer adolescentes de catorze anos faria, eu comemorei. Foi nesse momento que vi a realidade ser esfregada na minha cara e, vou te falar que, foi nesse momento que decidi ser livre. Sem que eu percebesse, o Letúrcio pediu que os soldati nos cercassem, só vi a gravidade da situação após a bofetada que recebi dele e com a afirmativa de que iríamos assistir o Homem de Ferro. Não sei como eu não vomitei. E o pior de tudo, foi ver os soldati que meu pai mantinha para minha proteção sendo coniventes com a situação. Foi ali, naquele momento, que eu percebi que o Código também se aplicava a princesa da Sem’ya Universal. Eu passei o resto do filme engolindo o choro do ódio para não mostrar ao Letúrcio que ele havia me afetado. Foi naquela noite que eu planejei minha liberdade.

— Sinceramente, eu não consigo acreditar como os machos humanos tratam suas fêmeas. Por mais que eu tente entender, eu não entendo.

—  Você precisa parar de se referir a nós como machos e fêmeas. Nos dias de hoje onde a lacração e o cancelamento são as ondas do momento, isso pega mal e você vai acabar sendo execrado em um processo e ter que pagar uma indenização.

— Mas não são machos e fêmeas? Taí outra coisa que não entendo também. Mas continua. Você ainda não contou como conseguiu sua liberdade.

— Antes de me formar no Queen’s College eu consegui convencer meu pai a me deixar fazer a faculdade de enfermagem. Argumentei com ele, que eu poderia ser útil num momento de emergência, como por exemplo, quando meu irmão foi ferido numa emboscada dos japoneses e quase morreu por não ter tido os primeiros socorros. Ele só aceitou minha proposta por estar visando a vida dos seus homens, sempre a vida dos homens… Com isso, eu consegui adiar o meu casamento por mais quatro anos. Eu só fui ver o Letúrcio, novamente, no dia da minha formatura no Queen’s College. Claro que aquela noite foi especial e cheia de pompas, onde mafiosos do mundo inteiro apareceram para se fazerem presente na passagem de status da filha do BMaior. E te digo mais, não foram só os mafiosos não. Naquela noite, haviam muito políticos internacionais, bem como, muitas celebridades também. Meu pai chegou a me perguntar se eu queria algum cantor ou cantora para fazer um show, mas ele não me levou a sério quando eu disse que queria o System of a Down tocando, ele achou que eu estava brincando, tendo uma das minhas “irreverências adolescentes”. O mais perto que o Letúrcio chegou de mim foi no momento do jantar. Nossas famílias estavam na mesma mesa, Letúrcio e eu sentamos um de frente para o outro. Fiz questão de me comportar como manda o Código, sempre de cabeça baixa, dizendo palavras monossilábicas, bebendo suco. Enfim, sendo mais um adereço na mesa, por mais que a festa fosse para minha formatura. Vai entender?!?! Eu já sabia que havia conseguido passar para enfermagem na Queen Mary University, então na semana seguinte da minha formatura eu já me mudei para um apartamento estudantil com a desculpa de que eu precisava me ambientar. E olha que as aulas só iriam começar depois do verão. Até hoje eu não sei como eu consegui fazer com que meu pai aliviasse a quantidade de soldati ao meu redor. Eu sei que de dez soldati por turno eu passei a ficar com dois a cada turno de seis horas. E assim, eu consegui colocar meu plano de liberdade em prática.

— Eu te juro que estou curioso para saber como funcionou.

— Comecei a praticar artes marciais…

— Gostei. Agora você está falando minha língua.

— Para de me interromper… [Rainel riu… Ah!! Esse aroma] Bom, eu conversei com um dos treinadores físicos da universidade, seu nome era James. Claro que não contei toda a história, falei apenas que queria transformar meus quilinhos a mais em músculos e queria saber me defender contra um homem, ou seja, para segurança pessoal. Foram quatro anos de treinos intensos, fiquei em forma mesmo. Aprendi boxe, jiu-jitsu e judô e também ganhei muita resistência física. James e eu ficamos muito próximos, foi com ele que eu tive meu primeiro beijo e também perdi minha virgindade. James sempre soube que eu era diferente mas, nunca me perguntou o motivo de eu ter tanto “sangue no olho” quando estávamos treinando. Acho que no fundo ele sabia que eu usaria aqueles treinos para minha salvação ou minha redenção…  Ao longo desses quatro anos eu economizei ao máximo, todo o dinheiro que eu consegui guardar, ou melhor, desviar do meu pai. Mas não guardei em bancos, eu comprava ouro no mercado negro e enterrava as barras no jardim suspenso que eu mesma idealizei e construi no telhado do prédio que eu morava. Tive que ser criativa e rezava todos os dias e noites para ninguém descobrir a pequena fortuna que estava enterrada ali. Foi na faculdade de enfermagem que eu tive os primeiros contatos com o feminino sagrado, esse grupo de mulheres que se ajuda. Foi através delas que consegui me centrar o suficiente e consegui, também, direcionar todo o meu ódio para me tornar livre. Elas são a razão de eu ser terapeuta holística e feminina hoje… Eu pedi para meu pai não fazer festa de formatura. Aleguei que seria um tanto quanto inconveniente apresentar a princesa da Sem’ya Universal como uma enfermeira formada, já que em menos de um mês eu estaria casada e teria que viver sob o Código. Mais uma vez ele entendeu que manter o silêncio sobre minha formação seria a melhor estratégia para a saúde de seus subordinados diretos, inclusive de Letúrcio, que nesse momento já trabalhava diretamente com ele e já era chamado de genro. Porém, três dias após eu retornar para casa de meu pai, que no momento estava sendo em Shanghai, eu convoquei uma reunião para Averbação, sem que ele, meu irmão e Letúrcio soubessem. Isso significa que um membro da Sem’ya vai lutar por sua liberdade. O Código é bem claro quanto a isto, um membro pode lutar por sua liberdade, ou seja, ele derrama seu sangue por sua liberdade e se vencer, seus oponentes não podem retaliar e nem se vingar por causa da honra. Se o oponente fizer qualquer ato contra o Averbado, a família do oponente será morta por ele não ter honra.

— Mas Sarah, você falou em membro, no masculino. Mas e as mulheres, também podem pedir essa Averbação?

— Não só podem como devem. A questão é que fui a única mulher a sair viva.

— Faz sentido.

— Nem meu pai, nem Vassile e nem o Letúrcio…

— Quem é Vassile?

— Ah! Desculpe. Vassile é meu irmão. Ele é dois anos mais novo que eu. Somos filhos da mesma mãe e, claro, do mesmo pai. Eu tenho uma irmãzinha mais nova. Ela é filha da atual esposa do meu pai, outra pobre coitada subjugada pelo Código. Minha mãe morreu quando eu tinha quinze anos. Depois eu te conto essa história, ela também foi um dos tijolos que ajudou a construir minha liberdade… Bom, já estavam todos na arena. Sempre que uma Averbação é requerida, uma arena é montada, os Dux e subDux locais, celebridades, lutadores profissionais são chamados, claro que uma rede de apostas é liberada, desde que quarenta porcento dos lucros brutos fiquem com o BMaior. E é assim, que se monta um circo para alguém ser livre. Meu pai, Vassile e Letúrcio quase infartaram quando chegaram na arena e viram que era eu quem estava nela. Foi um alvoroço lascado. Meu pai queria interromper a Averbação, ele chegou alegar que eu havia sido infectada pelas feministas, blábláblá… Mas o conselho interno decidiu que não, que minha Averbação era justa, além disso, nenhuma mulher havia saído viva da arena. O conselho prometeu que iria terminar a Averbação quando percebesse que eu já estivesse desacordada. Rainel, a Averbação era a única forma de eu me livrar daquilo, ou saía livre ou eu saía morta, essas eram minhas únicas opções. Eu decidi que iria lutar com meu irmão. Vassile é a cópia misógina e machista de meu pai, ele sempre foi ressentido por não ser o primogênito e, por mais que doa falar, eu deixei de confiar nele após a morte da minha mãe. A questão toda foi o Letúrcio, que como um bom filho-da-puta machista, não aceitou ficar atrás e pediu para lutar comigo, caso eu vencesse meu irmão e, ainda proclamou que se vencesse, eu iria morar com ele como esposa sangria, ou seja, esposa somente para procriação. Quando ele falou o termo esposa sangria, eu me lembrei da bofetada e decretei que iria sair dali livre. Escutei, em minha mente, a canção que naquele momento era meu mantra, ela diz o seguinte: “It’s under my skin but out of my hands I’ll tear it apart but I won’t understand. I will not accept the greatness of man. World gone crazy, keeps a woman in chains.” E fui para a batalha. Nunca mais eu seria uma mulher acorrentada… Nunca mais…

— Você é uma guerreira. Estou quase te contratando para meu exército.

Sarah fez cara de descontentamento e seguiu com seu relato.

— A luta com meu irmão foi muito difícil. Enquanto eu dava um golpe, Vassile revidava com três. As regras são bem claras, a luta só termina quando um dos adversários fica desacordado ou quando morre. Eu fiquei muito machucada, quase não conseguia ficar em pé, mas foi num momento de soberba do Vassile que ganhei. Ele me deu um soco e eu cai de joelhos e muito ofegante. Vassile começou a bradar recitando as regras que o Código possui para mulheres, quando ele chegou bem perto, eu consegui surpreendê-lo com uma rasteira, quando ele caiu no chão eu não tive dúvidas, chutei a cabeça dele três vezes. Ele apagou, depois eu fiquei sabendo que ele ficou desacordado por uma semana. Eu mal conseguia levantar quando vi Letúrcio pulando para a arena, mas o conselho pediu quinze minutos de intervalo para reabastecer as bebidas e ver os lucros do caixa, foi a minha salvação, pois eu pude me hidratar e me focar. Lembrei da bofetada, lembrei da infelicidade e da tristeza da minha mãe e da maioria das mulheres da Sem’ya. Quando eu retornei para a arena eu vi um prazer sádico nos olhos do Letúrcio e, ele não esperou nada, já começou sua sessão de espancamento. Eu entrei na arena com duas costelas quebradas, três dentes quebrados, um olho inchado e uma contusão no joelho por causa da luta com meu irmão e, Letúrcio não teve dó, seguiu me espancando. Eu já estava aceitando que iria sair morta da arena, pois não ia me casar mesmo com ele. Foi quando ele me levantou pela gola da minha camiseta e, assim como meu irmão, começou a bradar as regras do Código, eu percebi que ele baixou a guarda pois passou a me segurar somente com uma mão, foi quando o  ímpeto da liberdade veio forte demais em mim de novo. Sabe Rainel, ali naquela arena, eu já não tinha mais nada a perder, eu já não tinha mais o caminho da volta, eu já estava no tudo ou nada, então eu escolhi o tudo e não sei de onde eu tirei tanta força para deferir um golpe cruzado de direita no queixo do Letúrcio, ele caiu desmaiado na hora. Quebrei esses três dedos da minha mão [Sarah mostrou os dedos para Rainel]. Eu me arrastei para perto dele e fiquei dando cotoveladas na cara dele até ter a certeza de que ele estava apagado, bem apagado. Eu me lembro que a arena ficou em silêncio enquanto eu engatinhava para fora dela. Eu ainda me virei em direção ao meu pai e dei um dedo do meio para ele. Sai dali com as duas enfermeiras que eu contratei e fomos direto para o aeroporto, onde eu havia alugado um jatinho previamente. Menos de meia hora depois da Averbação, eu já estava voando para minha liberdade, nesse caso para Oslo, fiquei lá por quatro meses para me recuperar dos ferimentos. Consegui guardar uma pequena fortuna de catorze milhões de libras em ouro e, foi com esse dinheiro que me reinventei no Brasil. Agora eu moro no Brasil e me chamo Sarah Salento, sou terapeuta holística e auxílio as mulheres a saírem de relacionamentos abusivos tanto familiares quanto matrimoniais e a se reerguerem profissionalmente e, claro, a se reerguerem como mulheres.

— De onde eu venho as mulheres são honradas e estão equiparadas aos homens em todos os aspectos. Eu ainda não entendo essa subjugação feminina imposta pelos machos humanos…  pelos homens.

— Sabe o que não entendo mesmo? [Rainel olhou diretamente para os olhos de Sarah e pediu a resposta com aquele olhar] Não entendo como eu te falei quem eu sou. Eu te conheço a quatro dias e te falei o maior segredo de minha vida.

Rainel sorriu levemente com seus lábios e com seu corpo.

— Eu sou o Primeiro Capitão da Guarda Imperial, estou acostumado a inspirar confiança em outros seres. Esse é um dos meus deveres como capitão.

— Quem é você Rainel?

— Eu sou apenas uma alma na imensidão da existência.

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Sinopse Completa

Sarah, queria desfrutar das “sensações comuns” a todos os “humanos comuns”. Por isso e em busca dessas sensações, viajou à Sardenha para fazer a Jornada da Deusa, uma caminhada coletiva que ocorre a cada dezoito anos e, que reune pessoas do mundo inteiro em busca de suas próprias respostas. No grupo de Sarah, encontrava-se Rainel, um belo e misterioso homem que caminhava  a trabalho e para responder as questões sobre a “fé humana”. 

Mesmo não conseguindo confiar plenamente nas pessoas e, principalmente, nos homens, Sarah deixou-se levar pela atração que sentia por Rainel. Permitiu-se, viver um ‘amor de verão’, se entregando para as “sensações comuns” pela primeira vez em sua vida. No entanto, o destino traçou muito mais do que uma simples história de verão para contar e, selou em sua teia, a verdadeira sina que Sarah teria que cumprir ao lado de Rainel. 

Quem é Sarah? Quem é Rainel? Uma coisa é certa, o encontro entre Rainel e Sarah revelaria que há descobertas muito mais profundas, além daquelas que, ambos experienciaram com o grupo de  caminhantes, na Jornada da Deusa.

Escritora Mara Bayni

Autora: Mara Bainy

Comecei a produzir pequenos textos que, ficavam escondidos ou guardados em seus cadernos e livros. Após perder o medo da escrita, me aventurei com o livro impresso Ela (2012 – livro mais vendido na noite de autógrafos da 39a Feira do Livro – FURG – Rio Grande, RS). Desde então, venho produzindo pequenos poemas e publicando-os na minha página do Instagram. Em 2020, publiquei a 1a edição do conto 240 Horas e o resultado foi além do esperado. Fato esse que, publiquei na versão impressa como Escritora Independente e, novamente, teve um sucesso de público com excelentes críticas. Uma curiosidade dessa publicação: eu não deixei que se fizesse uma revisão textual e gramatical, eu precisava assumir meus erros para seguir escrevendo e publicando. Em 2021, publiquei o romance Godheid, o qual transpôs a sabedoria da ‘mulher’ numa jornada feminina. Em 2022, publiquei Sangre de Diosa, um romance fantasia que surgiu através de meu gosto musical. Em 2023, publiquei Código de Sangue e Honra, romance fantasia em que a protagonista lutou e luta para ter suas escolhas respeitadas.

Eu sou terapeuta feminina e Sacerdotisa das Mulheres Maromas. Sou uma leitora voraz de todas as formas de leitura. A frase de minha autoria e que me descreve muito bem é: “Atendo o chamado do livro e não me importo com os julgamentos. Cada livro, texto ou conto tem um mundo para me ensinar”.

Instagram: @mbescritora

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