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Ninguém ama o que não conhece. Se não valorizamos a cultura nacional, acabamos por aceitar a colonização estrangeira passivamente. Julgamos que as demais culturas, notadamente as dos países imperialistas, são melhores do que a nossa. Preferimos “off” em vez de “desconto”, “store” no lugar de “loja” e quando duas pessoas combinam, deu “match”. Sem perceber, nosso palavreado, os gostos, os costumes vão recebendo influências de um mundo globalizado, o que é inevitável. Manter nossos pés fincados no pertencimento, na ancestralidade, é importante para a nossa autoestima enquanto povo. Faz-se necessário olhar para dentro.
O que o Brasil tem de bom? A lista é imensa. Temos muitos motivos de orgulho, da comida ao Sistema Único de Saúde, de Santos Dumont a Fernanda Torres. Como divulgador cultural, o Literato Dente-de-leão tem o dever de trazer a público os mais diversos movimentos do Brasil. Assim, nesta edição apresentamos um ritmo nacional por excelência: o chorinho.
O choro, ou chorinho, surgiu no Rio de Janeiro no final do século XIX, no contexto histórico do final do Império e alvorecer da República. Não foi só a forma de governo que mudou. Foi um período de profundas transformações sociais: a abolição da escravatura, a chegada dos imigrantes, a ocupação negra nos cortiços e posteriormente nos morros e nas periferias, a boemia dos rapazes da classe média – tudo contribuiu para a harmonia de acordes baixos e som cadenciado característico do chorinho. Os músicos eram virtuosos na flauta, no piano ou no cavaquinho, mas com origens humildes. Assim, foi a primeira expressão de massa na música popular brasileira. Infelizmente, muitos brasileiros o desconhecem. Chorinho não toca nas rádios, nem nas baladas. É por isso que estamos dando essa chance aos nossos leitores! Aproveitem! Boa leitura! No final da edição, temos uma playlist especial! Se quiser ouvir no YouTube enquanto lê, é só dar o play abaixo.
Daiane Carrasco

Resenha do livro: Triste Fim de Policarpo Quaresma por Marcelo Elo Almeida
Triste Fim de Policarpo Quaresma, marco da nossa literatura, narra a trajetória de um funcionário público obscuro e idealista, com fortes convicções nacionalistas, que se rende aos livros e às pesquisas sobre a cultura brasileira, sempre em busca da valorização de nossas raízes mais legítimas. Nessa toada, Policarpo, ingênuo e com pouco tino social, propõe ao Governo uma tarefa inusitada e que vem a ser ridicularizada socialmente: a elevação do tupi-guarani à condição de língua oficial do Brasil, abandonando o português.
Sentindo-se humilhado, Policarpo retira-se para o campo em busca de descanso e paz. Lá chegando, seu idealismo logo volta à tona, com suas iniciativas de produção agrícola que revolucionariam o campo e elevariam o Brasil a uma condição de ponta no cenário mundial. Em poucas safras, as dificuldades se revelam, os obstáculos econômicos se mostram intransponíveis e ele se desilude. Ciente da Revolta da Armada (1893), sem abandonar de todo o campo, volta para o Rio de Janeiro para oferecer seus serviços ao presidente Marechal Floriano, com quem chegou a conversar uma vez. Ele não tem noção da luta política que motiva a revolta, mas vê nela uma tentativa de desestabilização do país, o que para um patriota não é concebível. Ele elabora um rol de melhorias para o Brasil que ele considerava indispensáveis, mas suas ideias são desprezadas pelo presidente de então. Todos os seus insucessos o levam a tomar consciência de sua ingenuidade e da indiferença de todos em relação aos problemas que ele considerava crucial resolver. O mais puro de todos os brasileiros tem um triste fim.
Tanto idealismo e ingenuidade acabam por trazer à memória a figura de Dom Quixote de La Mancha, o Cavaleiro da Triste Figura, mas também há diferenças. Cervantes, quando escreve a história que inaugura o romance moderno ocidental, procurava ridicularizar as decadentes histórias de romance de cavalaria da Idade Média. Numa tentativa de deboche de uma época, acaba por criar um dos personagens mais queridos da literatura, o que se deu, atrevo-me a dizer, pela própria ingenuidade do personagem que desperta a ternura dos leitores. Dom Quixote fugiu das mãos do autor e foi morar no coração das pessoas.
Quanto a Policarpo Quaresma, o autor não se contenta em apenas contar a história do protagonista. Com um narrador oculto mas extremamente opinativo, Lima Barreto não deixa dúvidas quanto às suas intenções com o texto. O narrador é um contraponto mordaz à inocência do protagonista. Ele faz profundas críticas a múltiplos aspectos da nossa realidade política, social, cultural e econômica e que se entremeiam na história de Policarpo.
Oficiais do Exército que nunca ouviram um tiro na vida, um médico que só pensa na sua carreira sem se preocupar com a Medicina ou com os pacientes, o comportamento servil e mesquinho de todos durante a Revolta, uma classe média medíocre que ataca aqueles que ousam colocar a cabeça acima do raso do ambiente, como no caso de Ricardo Coração dos Outros ou do próprio Policarpo. Tudo isso e muito mais é alvo da pena de Lima Barreto.
Aparecem críticas também às ideias em voga à época. O positivismo que tanto se entranhou nas Forças Armadas e que é causa do espírito golpista-militar que atravessa nossa história é uma delas. A concepção sobre psiquiatria e controle social que se formavam no Brasil de então, com suas internações compulsórias e métodos violentos, também merecem destaque, com questionamentos de Lima Barreto sobre o conceito de loucura. Aliás, solidário e melancólico com o destino de Ismênia, o autor antecipa seu próprio destino, seu triste fim. Essa é uma passagem de arrepiar, quando se tem consciência das internações do próprio autor por problemas psiquiátricos e alcoolismo.
A linguagem utilizada por Lima, direta e que lança mão de gírias daquele tempo, está mais preocupada com o conteúdo do que com a forma, tão na moda com o parnasianismo da virada do século XIX para o XX, o que também é uma forma de contestação. Ele não quer contemplação do leitor, quer reflexão.
Mas nem tudo é desesperança em Triste Fim. Aqueles personagens que sempre estiveram ao lado de Policarpo, sua afilhada Olga e Ricardo Coração dos Outros, são lembrados no final. A afilhada não compreendia o padrinho, mas o amava e respeitava; já Ricardo tinha alguns pontos em comum, como a renúncia à dissimulação e a busca de uma vida verdadeira, longe da mesquinhez que domina o texto. Lealdade e amor são exaltados via personagens da última cena do livro.
Analisando as inusitadas e às vezes inverossímeis aventuras de Policarpo, como no caso do diálogo reservado entre um simples funcionário aposentado do governo e o Presidente da República, quase se pode traçar um paralelo com a literatura fantástica. Mas não é sem propósito que o autor constrói essa trajetória pouco crível: é para questionar as hipocrisias que permeiam todas as camadas da sociedade, de ricos ou pobres, políticos ou empresários, profissionais liberais ou funcionários públicos. Há também críticas à posição da mulher e o casamento como seu destino incontornável. Acaba por questionar também o nacionalismo e o idealismo, valores ingênuos, que não têm vez na vida real.


Triste Fim de Policarpo Quaresma
Autor: Lima Barreto
O que define o Brasil, afinal? Para descobrir as tradições mais genuínas da nossa terra, marche atrás do major Policarpo Quaresma. Mas não se espante se descobrir que o destino final é a loucura. Ilustra a desordem, João Montanaro. Escrevem sobre o improgresso, Criolo e Ferréz. Qualquer um reconhece de longe que major Policarpo Quaresma é um nacionalista genuíno. Suas idas diárias à padaria francesa e óculos em estilo europeu não abalam sua fama. Nem mesmo o fato de que seu título de major não se deu por mérito militar, e sim por costume. Não há nada ou ninguém capaz de impedi-lo de se proclamar o bastião dos mais tradicionais costumes de nossa terra. Se o violão é o mais brasileiro dos instrumentos, e as modinhas, o mais nacional dos ritmos, serão essas as novas obsessões do major. Se os Tupinambás choravam ao encontrar pessoas queridas para demonstrar saudades, nada mais natural que encontrar Policarpo aos prantos. Pensando bem, por que é que não estamos tendo essa conversa em nossa língua original, o tupi-guarani? É isso que vai defender Policarpo Quaresma perante o Congresso Nacional. Saiba mais…

Cai o império, nasce a República! por Igor Pires Leon
Pairava no ar um clima estranho na cidade do Rio de Janeiro. O império estava por um fio? Surgiria um novo regime? Era sexta-feira, dia de reunião na casa do maestro Candinho e sua esposa Ana Carolina com os velhos conhecidos, todos músicos de boa reputação: Ernesto Nazareth, Henrique Alves de Mesquita, Irineu de Almeida e Anacleto de Medeiros.
O velho maestro afinava seu instrumento no quarto, enquanto Ana Carolina terminava de preparar os acepipes para os convidados. Após aprontar tudo, a esposa do maestro encaminhou-se para o quarto e pediu ao marido para arrumar-se, pois logo os convidados estariam chegando e não gostava de fazer as pessoas esperarem. Candinho deixou o instrumento de lado, passou uma água no rosto, penteou os cabelos grisalhos, fez um nó na gravata e voltou para a afinação.
Não demorou muito para o primeiro convidado chegar, com o instrumento em mãos; era Henrique Alves de Mesquita, que beijou a mão de Ana Carolina, crescendo os olhos para o decote da esposa de seu amigo e desviando-os. Candinho surgiu à sala com um largo sorriso, dando um forte abraço em seu velho e bom amigo. Perguntou pelos demais, mas Henrique não soube responder.
Uma batida de palmas e Ana Carolina atravessou a sala e os dois homens conversavam para ver de quem se tratava; não era um convidado, mas a velha vizinha, dona Eulália, aflita. A esposa do maestro Candinho, atarefada, não estava disposta a conversas naquele momento e disse-lhe que não tinha tempo para fofocas, que tinha visita em casa, mas Eulália queria averiguar se Ana Carolina sabia o que estava se passando pela cidade. Viu dobrar na esquina Ernesto Nazareth e Irineu de Almeida. Mal chegaram ao portão e Eulália foi perguntando a Ernesto Nazareth sobre os ocorridos. O músico olhou para seu amigo ao lado e voltou-se para a velha senhora, dizendo-lhe que o imperador estava por um fio. Eulália fez o sinal da cruz, gostava da pessoa do imperador “um homem tão bom!”.
— São os novos tempos! − disse Irineu de Almeida − O fim das monarquias! A República é a solução para as mazelas do país.
A velha Eulália lançou-lhe um olhar de desaprovação.
— O senhor está querendo me dizer que é a favor dessa tal República?! Isso é o fim! − esbravejou. Irineu abriu um largo sorriso.
— O imperador está velho e doente, mal consegue se manter sobre as próprias pernas, deixando o governo nas mãos de outras pessoas. Não podemos ficar à mercê de um regime falido − respondeu com convicção.
A velha Eulália persignou-se e deu meia-volta. Ana Carolina pediu aos amigos que entrassem, Candinho e Henrique estavam à espera. Os dois músicos foram recebidos com alegria, acomodaram-se em cadeiras confortáveis.
— Eu já lhes disse que o próprio imperador apertou a minha mão? Nunca esquecerei desse momento sublime! − disse Maestro Candinho com saudosismo.
— Candinho ficou muito feliz. Qual autoridade apertaria a mão de um simples maestro? − disse Ana Carolina com orgulho − Não foi um barão, muito menos um conde, mas Dom Pedro II.
— Agora, alguns querem o fim do Império para colocar essa tal República! Ora, aonde iremos parar, isso é o fim dos tempos! − esbravejou Candinho.
— Meu caro, o Brasil é um país atrasado, precisamos de uma nova forma de liderança! – pontuou Ernesto Nazareth, segurando uma taça de vinho. Maestro Candinho não acreditou que seu amigo também se bandeasse para o lado de lá, melindrando-se com a “traição”. Seria ele o único a defender a permanência de D. Pedro II?
— O império está por um fio desde o fim da escravidão − disse Irineu de Almeida.
— Bobagem! Isso é coisa desses republicanos de merda! − bradou Candinho um tanto exaltado − Esse negócio de República só vai levar o país ao caos. O Brasil não leva jeito para República. Precisamos da mão forte do imperador! − continuou.
— Ele está perdido! Os grandes fazendeiros estão insatisfeitos desde o fim da escravatura − argumentou Henrique Alves.
— Somente uma alma generosa poderia fazer algo de tanta magnitude! − interveio Ana Carolina − Coitado do pobre homem, imagino o que não deve estar passando!
— Mas não estamos aqui para discutir o futuro do império − cortou Irineu de Almeida. Vamos tratar de assuntos que elevam a alma.
Perguntaram por Anacleto de Medeiros, mas esse tinha fama de atrasar-se sempre. Ernesto sentou-se ao velho piano e dedilhou a uma nova composição, sendo aplaudido ao final. Satisfeito, agradeceu aos aplausos e dedicou a música à sua anfitriã. Finalmente, Anacleto de Medeiros apareceu. Perguntaram-lhe o motivo do atraso.
— Estou-lhes dizendo, o imperador foi destituído por uma junta militar.
— Mas que cascata é essa, Anacleto? − quis saber Candinho.
— O Exército está reunido na praça da Aclamação. O império acabou, viva a República! − disse com alegria.
— Viva a República! − gritou Henrique Alves, erguendo um brinde. Maestro Candinho levou as mãos ao rosto, era o fim de uma era, início de outra.

Um novo jeito de tocar por Cláudia Borges
Chorinho: o som do povo brasileiro
O choro é um daqueles símbolos de brasilidade, representa nosso pedigree, pois nasceu da mistura de gêneros vindos da Europa, com o que tínhamos de melhor aqui, seja indígena ou africano. Uma mistura que deu certo, que soa gostosa aos ouvidos com suas “baixarias”: técnica de improvisação e variação harmônica, na qual a melodia é acompanhada por acordes baixos, criando um efeito rítmico e expressivo. As letras falavam do povo, da vida típica brasileira; talvez por isso, como todo o movimento popular, custou a ser apreciado pela elite. Inicialmente, o choro era coisa de baderneiros, sendo discriminado como o samba e tantos outros ritmos tão nossos. No século XIX, Joaquim Callado já tocava e encantava. Depois, Chiquinha Gonzaga compôs e escandalizou a sociedade patriarcal na virada do século XX. E muitos outros surgiram. Agitavam as noites cariocas, as ruas, os bares. Não posso esquecer de Pixinguinha, que tem sua data de aniversário como o Dia do Choro (23 de abril). Ainda hoje, existem tocadores de choro, chorões, que preservam essa tradição por todo o país. Os chorões emocionam, pois quem não gosta do som das flautas, violões, cavaquinhos? Para homenagear esse típico som brasileiro, arrisquei um Cordel, que teve a correção da métrica pela cordelista Josy Silva, amiga e escritora. Viva a arte e a cultura típicas do nosso Brasil!
A história do choro
Com a coroa real
veio do além mar
vários instrumentos
a nos beneficiar
pois criamos som
a canção iria tocar.
Patrimônio cultural
do meu Brasil amado
é o tal do chorinho
começou Callado
dos chorões o maior
da canção ao legado.
Pixinguinha, maestro
grande e carinhoso
23 de abril é
dia do afrontoso
do chorinho nosso
som melodioso.
Tem mulher também
que fez a todos chorar
a Chiquinha Gonzaga
abre alas a aflorar
todos no chorinho
a modinha a cantar.
No choro, eu refaço
no passo da memória
esse legado de luta
que é parte da história
o gênero musical
diziam: da escória.
Assim nasceu o choro
da população pobre
dos negros, indígenas
o som é o mais nobre
mistura de ritmos
a elite encobre.
Não queriam ouvir
cavaquinho, flauta
o som do um violão
a elite incauta
meio-tom, meia-voz
da canção peralta.
Melodia sincera
no subúrbios surgiu
mistura de gêneros
considerado vadio
da polca, valsa, tango
novo gênero saiu
E assim como o cão
caramelo do Brasil
considerado o é
o choro, esse gentil
representante o é
do povo primaveril
No começo sofreu
preconceito brado
assim como o samba
era nas ruas cantado
o povo o queria
e foi arraigado
Não houve jeito
o choro consolidou
malandros e músicos
o mundo conquistou
representa o povo
que sempre o cantou.

Lugar de mulher é onde ela quiser! por Fernanda da Fonseca Pereira
É preciso ter a coragem e o engajamento de Chiquinha Gonzaga!
Filha da dona de casa Rosa Maria Neves de Lima, filha de escravos, e do general do Exército Imperial José Basileu Alves Gonzaga, Francisca Edwiges Neves Gonzaga, conhecida como Chiquinha Gonzaga, como muitas outras meninas de boa posição social, frequentava ambientes culturais como teatros e salões musicais. Acompanhava seus pais em apresentações musicais, teatro e rodas de lundu, umbigada e outros ritmos africanos que começavam a fazer sucesso nas ruas. Nesse período, Chiquinha já começava a misturar notas das músicas com ritmos populares. Tinha aulas com o Maestro Lobo, um importante músico da cidade. Aos 9 anos Chiquinha ganhou do pai o seu primeiro piano. Aos 11, Chiquinha compôs a primeira música, chamada “Canção dos Pastores”, com a intenção de ser tocada no Natal da família.
Seu pai impôs-lhe o casamento com Jacinto Ribeiro do Amaral, oficial da Marinha Mercante. Ela tinha 16 anos. A união durou apenas dois anos, marcando um período de muitos conflitos pela falta de apoio do marido com o seu envolvimento musical. Apesar de ter três filhos com Jacinto, decidiu romper com o casamento, atitude impensável na época.
Tornou-se pioneira na música popular brasileira, especialmente com suas composições para o teatro e o carnaval. Foi a primeira pianista chorona (musicista de choro), autora da conhecida marcha carnavalesca “O abre-alas”. Também foi a primeira mulher a reger uma orquestra popular no Brasil.
Além de grande referência para a música popular brasileira, foi uma figura atuante nos movimentos sociais do final do século XIX. Chiquinha era neta de uma mulher escravizada, participou ativamente em campanhas abolicionistas e também apoiava a derrubada da monarquia, engajando-se na causa republicana. Sua atuação como mulher independente e livre era vista como um ato de rebeldia e exemplo de luta pelos direitos das mulheres.
Enfim, Chiquinha Gonzaga foi uma mulher à frente do seu tempo. Também foi atuante na luta pelos direitos autorais dos artistas, fundando a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SABAT), constituída para unificar a classe artística e para a profissionalização dos músicos no Brasil.
Apesar de ser um importante expoente artístico, Chiquinha teve a vida pessoal marcada por controvérsias. Foi processada pela família por abandono de lar e adultério e aos 52 anos apaixonou-se por um jovem de 16. Ao que tudo indica, foi uma relação de amor recíproco, pois viveram juntos por 36 anos, até a sua morte em 1935. As polêmicas nunca a intimidaram. Exigia que a imprensa utilizasse o termo “maestrina” para referir-se a ela.
Chiquinha questionou o papel social imposto às mulheres da sua época e rompeu com eles. Priorizou sua liberdade e a dedicação à arte. Morreu aos 87 anos, mas deixou um importante legado para a música brasileira e para o protagonismo feminino no Brasil. Abre-alas para Chiquinha Gonzaga! Abre-alas para a luta feminista!

A dura vida de músico por Célia Félix
O músico e o chorinho
No banco da praça, ao cair da tarde,
Um homem dedilha com rara vontade.
Seu cavaquinho, de som cristalino,
Chora baixinho um velho chorinho.
Os dedos deslizam, a alma se expande,
O tempo se curva, a saudade comanda.
Em cada acorde, um mundo se conta,
Em cada trinado, a dor se desmonta.
A flauta responde num canto sereno,
O pandeiro marca o compasso pequeno.
É roda de amigos, é riso e calor,
É samba que chora, é choro com cor.
Menino se achega, curioso e atento,
A moça suspira no som do momento.
E o músico ali, de olhos fechados,
Revive memórias em sons desenhados.
O chorinho é leve, mas carrega peso,
De amor esquecido, de sonho indefeso.
É lágrima e festa, é pranto e carinho,
É vida que dança ao som de mansinho.
E quando anoitece, o último acorde
Desfaz o silêncio, dissolve a sorte.
Mas fica no vento, suave e sozinho,
O rastro do músico… e do chorinho.

Um carinhoso por Karine Souza e Pousas
A canção “Carinhoso” foi composta por Pixinguinha e seu registro trouxe diversas contradições, que vão desde a data de sua composição até a inspiração que o artista buscou para materializar tão grandiosa obra. Histórias assim são mais fáceis de relatar. Permitem uma licença poética que um registro dos fatos nem sempre aceita.
***
A Pensão Vianna era um espaço de arte. Moças de família aproveitavam os saraus e os encontros musicais. O ambiente familiar permitia que artistas de vários segmentos (principalmente músicos) se expressassem e até mesmo morassem por um tempo no local.
Pixinguinha, Alfredo da Rocha Vianna Filho, homônimo de seu pai músico, viveu e cresceu neste ambiente. Afinal, era sua própria casa. A pensão da família era mais interessante do que os jogos de bola de gude, pião, pipa e amarelinha. Com uma inclinação natural para a música, o menino não podia querer outro lugar para estar.
Antes mesmo de entrar na adolescência, ele já tirava músicas da flauta só de ouvir. Foi assim que Arnaldo Guinle, um milionário, levou Pixinguinha para uma turnê em Paris. O que era para durar semanas acabou se estendendo por meses. A música brasileira, o chorinho tão nosso, foi aplaudido de pé em grandes casas noturnas como o renomado Shéhérazade.
A fama trouxe certas vantagens ao artista humilde. Pixinguinha teve contato com outras culturas. Conheceu o jazz e gostou do que viu e ouviu. Foi com muita inspiração, mas também com muita certeza do que ouvia no coração, que Pixinguinha trouxe ao mundo “Carinhoso”.
Qualquer brasileiro que conhece a canção se sente convidado a cantarolar a mesma: “Meu coração, não sei por quê, bate feliz quando te vê.” Algo simples à primeira vista é a complexidade da obra – a história de uma vida.

Playlist Chora, Chorinho por Daiane Carrasco
Essa é a Playlist completa da edição 23 – Chora, Chorinho! Em seguida escrevemos um pouco sobre cada uma das músicas.
- O Gaúcho/ O corta-jaca (1895), de Chiquinha Gonzaga: composta inicialmente para a peça Zizinha Maxixe, esta canção é um marco do maxixe, ritmo também conhecido como “tango brasileiro”. Foi motivo de escândalo quando Nair de Tefé, primeira-dama da República, esposa de Hermes da Fonseca, organizou um recital em 1914 e os músicos tocaram o “corta-jaca”, a pedido da primeira-dama, entusiasta das canções populares, em especial as de autoria de Chiquinha Gonzaga. Danem-se os aristocratas de nariz em pé. É uma música deliciosa de ouvir e por isso abre a nossa playlist: Acesse essa música!
- Os oito batutas (1919), de Pixinguinha: a flauta, que parece um passarinho cantando alegremente, é o que dá o tom lírico dessa belíssima canção. Uma maravilha desse gênio da MPB! Acesse essa música!
- Brejeiro (1893), de Ernesto Nazareth: é um outro maxixe, meu povo! Na verdade, justiça seja feita: Ernesto Nazareth é considerado o pai do “tango brasileiro”. Pianista virtuoso, transitava entre o popular e o erudito. “Brejeiro” foi a canção brasileira mais executada no mundo na primeira metade do século XX! Então já põe pra tocar! Acesse essa música!
- Choro n° 1 (1920), de Heitor Villa Lobos: essa música é a prova de que o chorinho não é apenas para a flauta brilhar. Choro n° 1 foi composto para violão solo. Apesar de ter a toada do violão erudito, ouve-se claramente o som com a cara do Brasil. Escolhi a execução de um dos maiores violonistas do mundo – o orgulhosamente brasileiro Turibio Santos. Acesse essa música!
- Choro da Saudade (1928), de Augustin Barrios: também composto para o violão. Curiosamente, Barrios era paraguaio, mas foi no Brasil que adquiriu os traços característicos de nossa música e compôs praticamente toda a sua obra. É um belíssimo choro, feito em homenagem a um menino, filho de um amigo, que falecera enquanto o músico viajava em turnê. Acesse essa música!
- Nem ela, nem eu (1930), de Nelson Alves: a sonoridade do cavaquinho é a cereja do bolo. Pouco conhecido do público em geral, Nelson Alves esteve ao lado de Pixinguinha no grupo “Oito Batutas”. É um dos nossos gênios esquecidos. Nessa execução, podemos vislumbrar a duplinha Luciana e Ana Rabello no cavaquinho. Mais “girl power” impossível! Acesse essa música!
- Galho de goiabeira (2001), de Raphael Rabello e Aldir Blanc: essa é pra derrubar a tese de que no choro só tem velharia! Apesar de o lançamento ter sido póstumo (Raphael Rabello morreu em 1995, aos 33 anos, vítima do HIV), a voz de Amélia Rabello e a letra indefectível de Aldir Blanc trouxeram frescor ao gênero. Acesse essa música!
- Primeiro amor (1904), de Patápio Silva: quando se escuta uma música dessas, a gente fica se perguntando se merece mesmo ser brasileiro. A leveza, a complexidade, o preciosismo da combinação das notas – tudo é bom! Escolhi a execução do grande flautista contemporâneo Toninho Carrasqueira (também está na hora de conhecermos nossos instrumentistas, galera!). Acesse essa música!
- De mais ninguém (1994), de Arnaldo Antunes e Marisa Monte: um choro-canção pra ninguém botar defeito. É a faixa número 07 de um dos melhores álbuns da MPB contemporânea: Verde anil amarelo cor de rosa e carvão. Destaque para a finesse das cordas do conjunto “Época de Ouro”, em atividade desde 1964! Acesse essa música!
- Beliscando (1976), de Paulinho da Viola: para fechar a playlist, nada como a elegância de Paulinho da Viola! Meu povo! Ele é um dos maiores compositores brasileiros e está entre nós. Como é possível alguém passar por esta vida sem ser fã desse homem?! Já espalha pra vizinhança! Acesse essa música!

Filme Indicado
Pixinguinha, um homem carinhoso (2021)
Pixinguinha, Um Homem Carinhoso é um filme biográfico brasileiro de 2021 dirigido por Allan Fiterman e Denise Saraceni a partir de um roteiro de Manuela Dias. Conta a vida e a obra do cantor Pixinguinha, considerado o pai da MPB, interpretado no filme por Seu Jorge e Dan Ferreira. O filme conta ainda com Taís Araújo, Milton Gonçalves, Agatha Moreira e Lílian Waleska no elenco.
Sinopse O filme aborda a história de vida de Alfredo da Rocha Vianna Filho, mais conhecido como Pixiguinha. A trama começa retratando a história do músico desde o início de sua carreira aos 14 anos até sua ascensão, sua morada em Paris e a relação com a esposa. Saiba mais… (Fonte Wikipédia).


Livros Indicados
Nesta edição, nossos livros recomendados são clássicos da chamada “literatura regionalista? Já ouviu falar? O regionalismo é quando um autor retrata os modos, os costumes, a maneira de falar de uma determinada região do país. É um jeito de aprofundar os conhecimentos de um pedaço do país a partir da visão de um escritor. Valdomiro Silveira retrata o caboclo do sudeste, Simões Lopes Neto, a tradição e as lendas dos gaúchos e Guimarães Rosa, o sertão mineiro. Quem sabe um desses livros não é sua próxima leitura?


Leréias
Autor: Valdomiro Silveira
Considerado um dos fundadores do regionalismo, Valdomiro Silveira notabiliza-se por ter, nos contos sobre o mundo rural, o foco dirigido para o homem caipira. Em ‘Leréias’ um narrador caipira conta a história a um interlocutor culto, que, entretanto, é apenas referenciado no texto. Essa técnica permite a homogeneidade na linguagem utilizada: não há distância entre o falar culto e o dialetal da personagem. Além disso, ou por causa disso mesmo, não se tem o olhar superior do narrador sobre o mundo narrado. Os contos deste livro atestam o profundo humanismo do autor. Saiba mais…

Lendas do Sul
Autor: Simões Lopes Neto
Lendas do Sul é uma das mais importantes do obras de João Simões Lopes Neto que foi um dos mais notáveis escritores regionalistas de todos os tempos. Nesse livro temos reunidas as mais belas lendas do Sul do Brasil. Entre elas: O Negrinho do Pastoreio , O Boitatá, O Saci, O Lobisomem , entre outras. Saiba mais…



O burrinho pedrês
Autor: João Guimarães Rosa
João Guimarães Rosa nasceu em 27 de junho de 1908, em Cordisburgo, Minas Gerais. Publicou, em 1946, o seu primeiro livro, Sagarana, que foi recebido pela crítica com entusiasmo por sua capacidade narrativa e sua linguagem inventiva. Formado em Medicina, Rosa chegou a exercer o ofício em Minas Gerais e, posteriormente, seguiu carreira diplomática. Além de Sagarana, constituiu uma obra notável com outros livros de primeira grandeza, como Primeiras Estórias, Manuelzão e Miguilim, Tutameia – Terceiras Estórias, Estas Estórias e Grande Sertão: Veredas. Este último romance levou o autor a ser reconhecido no exterior. Em 1961, Rosa recebeu o prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras (ABL) pelo conjunto de sua obra literária. Faleceu em 19 de novembro de 1967, no Rio de Janeiro. Saiba mais…

Corpo Editorial

Editora
Daiane Carrasco
Oceanóloga. Escritora.
Instagram: @daiane_carrasco
Autora do Livro Ozzy & Jonny.

Designer e Criação
Sérgio Fernandes
Consultor de T.I. & Terapeuta Corporal.
Instagram: @sehfernandes
Site: sehfernades.com.br
Autor do Livro Zé das Campas.


Escritores da Edição nº 23 de Julho 2025 – Chora, Chorinho


Igor Pires Leon
Escritor
Graduado em História e Pós-Graduado em Cinema, é autor das seguintes obras:
Veludo Azul contos, pela Editora Nauta; As incoerências e insatisfações de um casal desapaixonado; O caso da mulher desaparecida; O toque do despertador pelo Clube de Autores.
editoranauta.com.br
clubedeautores.com.br
Instagram: @igorpiresleonescritor



Cláudia Borges
Técnica Administrativa na FURG
Instagram: @claudia.borges.cacau
Além do Mulherio das Letras, participa do coletivo Escritores de Quinta e Poetas Papareia e dos grupos de pesquisa Poéticas Orais e Pensamento Decolonial e Literatura e Identidade na América Latina
Coautora do Livro Delírios de Quinta

Fernanda da Fonseca Pereira
Assistente Social com mestrado e doutorado em Política Social e Direitos Humanos.
trabalho com as comunidades da Zona Oeste do Município do Rio Grande, experiência que provocou a escrita do livro “Reincidência da Violência Contra Meninas e Mulheres Pobres do Município do Rio Grande/RS”. Desde 2014, escrevo no meu blog “Mulher Inteira” dando vida ao desejo pela escrita e reflexão política sobre o mundo, em que (sobre) vivemos. Enfim, sou mulher vinda da periferia, criança crescida em situação de violência, mãe atípica, Sacerdotisa de Umbanda e Mulher de luta e esperança.
Instagram: @fernandadafonsecapereira
Blog: mulherinteira.blogspot.com



Célia Félix
Escritora e Poetisa
Graduada em Pedagogia e Enfermagem.
Autora do livro “Relatos de um diagnóstico”- Da dor à superação (12/24)
Poemas publicados em quatro antologias.
Membro da Comunidade Efêmera Sintonia, no Instagram, onde apresenta as Lives.
Instagram: @celiafelixramos








