Sobre Chuvas e Votos – Daiane Carrasco
Moro em uma bela cidade costeira, no extremo sul do Brasil. Rio Grande, a primeira. Aquela que deu nome ao estado – Rio Grande do Sul. Como é possível ver no mapa (figura 1), estou à distância de 361 km do caos da capital, Porto Alegre, a salvo das regiões mais atingidas pelas chuvas torrenciais dos últimos dias, e, consequentemente, das trágicas enchentes. Assisto às notícias no conforto e segurança da minha casa. Obviamente, como gaúcha e ambientalista, oceanóloga com muito orgulho, formada pela FURG, é impossível ficar indiferente diante dos fatos ocorridos.
A última enchente de grande magnitude que arrasou o RS data de 1941. Porém, desde setembro de 2023 estamos sofrendo com precipitações que ultrapassam as médias históricas registradas. Tudo indica que eventos climáticos extremos ficarão mais frequentes. O estado situa-se em uma região (abaixo do Trópico de Capricórnio) que o deixa sujeito à chegada de frentes frias vindas da Argentina e, concomitantemente, aos sistemas de alta pressão do centro-sudeste do Brasil, onde o ar é mais seco, confinando o ar mais úmido num “looping”, literalmente chovendo cântaros sobre nossas cabeças.
Estamos aqui oficialmente desde 1737 (sob o prisma colonial, pois o estado é ocupado há 6.000 anos). O RS não mudou de lugar. O que mudou foi o que não vemos. Ou melhor, vemos… mas fingimos não ver. As emissões atmosféricas de gases-estufa, o desmatamento recorde em tempos de “passar a boiada”, queimadas no Pantanal em nome do “agro tech, agro pop, agro tudo” – são o caviar com champanhe francês para uma minoria. Quem paga a conta? Bem… hoje o RS, amanhã, não sabemos.
Enquanto a Madonna se apresentava para um público recorde em Copacabana, voluntários faziam cordões humanos para guiar os botes de resgate em Canoas. São os contrastes em um país de dimensões continentais como o Brasil. Alguém pode estar pensando ‘Ah, mas é no RS!’ Eu posso pensar ‘Ah, mas é em Porto Alegre!’. Sim… como mencionei anteriormente, moro em Rio Grande, mas a água do Guaíba está chegando aqui, como é possível ver nas figuras 2, 3 e 4. Moral da história: há uma conectividade irrefutável entre fenômenos naturais e eles atingem a sociedade em sua totalidade. Duvidam?
Só em recursos emergenciais para o desbloqueio de estradas foram liberados 116 milhões de reais. Chegaremos facilmente à cifra dos bilhões. E agora? Quem paga a conta? O RS? Não… todos os brasileiros. Trata-se de um “dinheiro virtual” de créditos suplementares liberados durante estado de calamidade, que aumenta o déficit orçamentário da União e o famoso “risco Brasil”, que serão realocados na mitigação dos estragos das enchentes, atrasando o tal “desenvolvimento econômico” que os neoliberais tanto perseguem, mas que nunca chega.
É urgente a revisão da agenda ambiental brasileira – pra ontem. Aí vem outra questão… Sejamos francos: sempre haverá um prejuízo econômico a curto prazo quando se fala em preservação ambiental. É lógico! Reverter uma pastagem onde se criava gado para uma área de floresta leva anos, sem lucro. Ações conservacionistas são pactos coletivos – é assim que civilizações avançam e sobrevivem às areias do tempo. Precisamos encarar pedreiras se quisermos aplainar as veredas: reforma agrária, demarcação de terras indígenas, desmatamento zero, fontes de energia limpa (chega de prospecção de petróleo), e por aí vai. Não avançaremos nenhum palmo enquanto elegermos a bancada da bíblia, do boi e da bala. Não há dissociação entre política e meio ambiente simplesmente porque todo o problema ambiental é, por excelência, um problema social. No fim da linha sempre estão as pessoas. De nada adianta a sensibilização diante do sofrimento do meu amado estado se o discurso comovente não se reverter em prática consciente, principalmente nas urnas.
Liberdade. Igualdade. Humanidade.
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